Os espectros infestaram a Inglaterra com monstros sobrenaturais. Agora, para libertar esse povo, uma magia antiga se faz necessária. E somente EXCALIBUR 2099 pode revivê-la!
Acompanhe a saga dos heróis britânicos na luta pela libertação de sua nação. A magia está de volta!
EXCALIBUR 2099
CAPÍTULO 1 – Na companhia do medo.
Por João Norberto e Alex Nery
Acompanhe a saga dos heróis britânicos na luta pela libertação de sua nação. A magia está de volta!
EXCALIBUR 2099
CAPÍTULO 1 – Na companhia do medo.
Por João Norberto e Alex Nery
Licoln, Condado de Lincolnshire – 19:45h.
O homem levantou a gola do casaco e apressou o passo. Desviou-se de alguns montes de entulhos que permaneciam jogados no meio da calçada e passou para a rua. O vento frio levantava papéis, fazendo-os rolar pelo asfalto rachado. Mais por instinto do que por esperança, o homem olhou em volta. Como esperava, não viu ninguém.
O sol já ia bem baixo, quase sumindo na linha do horizonte. As sombras dos poucos prédios que permaneciam de pé alongavam-se como dedos tentando agarrar a borda de um precipício. O homem enfiou as mãos nos bolsos do casaco marrom, tentando protegê-las do frio que logo viria. Ele sabia que viria. Bastava anoitecer para que a temperatura caísse quase oito graus. Era assim já fazia alguns anos. Na verdade, era assim desde que o mundo havia acabado e os poucos humanos sobreviventes esgueiravam-se pelos escombros de suas cidades, subjugados por forças além de sua compreensão.
O homem dobrou a esquina e, ao mesmo tempo quem que o frio sobrenatural atingiu suas costas, ele observou o movimento no meio do quarteirão à frente. Duas ou três pessoas andavam apressadas como ele para alcançar a entrada do que fora um pub famoso alguns anos atrás. Observou que elas batiam na porta e rapidamente eram postos para dentro.
Chegou em frente à porta, e percebeu que acima do prédio ainda se lia os restos de um luminoso: “A Nova Oficina”. Sorriu sarcasticamente ao pensar que a palavra “nova” não dizia respeito a nada naquele prédio.
Bateu com força duas vezes na porta metálica. Uma pequena abertura se abriu no meio da porta e um fino raio vermelho percorreu seu corpo da cabeça aos pés.
- Tá limpo. Entra. – disse uma voz masculina vinda do interior do prédio, no mesmo instante em que a porta se abria.
Deu um passo à frente, mas ficou petrificado ao ouvir um guincho fantasmagórico vindo da rua abaixo.
- Entra, porra! – exigiu o porteiro do prédio, um homem calvo, aparentando cerca de quarenta anos e vestido com um jeans surrado e uma camisa azul de botões.
Sem esperar mais nada, o homem entrou no prédio. O porteiro fechou a entrada pelo lado de dentro com grandes trancas, cadeados e correntes.
- Você é o último de hoje – disse o porteiro – Da próxima vez, chegue mais cedo.
O homem assentiu com a cabeça. O porteiro beijou o crucifixo que trazia pendurado no pescoço, benzeu-se e sentou-se num pequeno banco de madeira, agarrando firmemente um rifle de plasma.
À frente do homem abria-se um corredor estreito e mal iluminado. Mesmo assim ele avançou, desta vez com passos mais lentos. Ele sabia que ali dentro não estava totalmente seguro, porém, era muito melhor estar ali do que lá fora, com as coisas que a noite trazia. Caminhou cerca de quarenta metros pelo corredor em declive. Pela inclinação era fácil constatar que estava abaixo do nível do solo. Aos poucos o som de uma música, acompanhada do burburinho de vozes, foi enchendo seus ouvidos.
Atravessou uma entrada larga, provavelmente utilizada para a passagem de veículos e entrou num velho estacionamento subterrâneo transformado em um pub. Ou no mais próximo disso que fosse possível. Cerca de quarenta pessoas estavam espalhadas pelo lugar, conversando e bebendo. Aquele era um dos dias mais movimentados que já vira, desde que chegara na cidade a cerca de três semanas. Atravessou o salão e foi até o “bar”, na verdade um balcão velho de madeira com algumas cadeiras desiguais enfileiradas. Atrás do balcão, uma mulher loura e desarrumada servia copos com a única bebida disponível, extraída de alguns latões empilhados.
- Me dá um whisky, Rosie – pediu o homem.
- Muito engraçado, Dom. Por que não inventa uma piada nova? – responde Rose.
- Hm... me dá uma vodca?
- Desisto.
Rosie enche um copo com o líquido dourado, levemente parecido com cerveja, e estende para Dan. Ele apanha o copo sem muita convicção de que vai bebê-lo.
- Se ao menos fosse uma cerveja decente... – resmunga.
- Ah, então por que não vai tentar a sorte no próximo bar?
- Existe um “próximo bar”?
- Qualquer dia vou te expulsar daqui e te jogar no meio dos fantasmas.
- Eles têm cerveja?
- Sempre zombando, não é?
- Não resta muito mais a fazer, Rosie. Do modo como as coisas estão, só nos resta a ironia.
- Ah, o famoso “humor inglês”...
- Ei, tenho uma avó irlandesa também, não esqueça. E só tendo sangue inglês e irlandês para agüentar tudo isso.
- Nem bebeu ainda e já está choramingando...
- Longe disso. Não sou de choramingar. Sou apenas pragmático. Olhe em volta e veja o que restou dos ingleses... refugiados no subsolo, bebendo gasolina...
- Ei, mas o mundo inteiro está na merda. Não só o reino. Desde que esses aliens malditos chegaram...
- Sim, Rosie. Eles vieram com tudo. E sabe por que nos derrotaram?
- Porque tinham armas de raios e todo tipo de supertecnologia de guerra?
- Não. Eles nos derrotaram porque nunca fomos uma raça unida. Quando eles chegaram, quantos conflitos haviam pelo mundo? Cinquenta? Cem?
- Um monte, com certeza.
- Pois é. Um brinde à burrice humana... – Dom levanta seu copo numa saudação e bebe todo o seu conteúdo em seguida.
- Hm, me diz... você trabalhava em quê quando tudo isto começou?
- Eu pretendia trabalhar como professor de história em Oxford, mas só achei trabalho braçal nas poucas vilas livres que encontrei. Enche de novo esse copo aí... – responde Dom estendendo o copo vazio.
- Ah, um professor. Está explicada essa pose de ativista político.
- Nunca lecionei, Rosie.
Rosie encheu rapidamente o copo e devolveu-o ao cliente.
- E como escapou de lá? Ouvi dizer que Oxford... – perguntou ela.
- Oxford desapareceu. Não existe mais. Puf!
- Como assim? Explodiram a cidade?
- Pior do que isso. Se tivéssemos sido invadidos pelos krees, skrulls ou qualquer raça de base tecnológica, seria mais fácil de entender... mas, com esses espectros desgraçados a coisa é bem diferente. Eles usam MAGIA. Uma hora Oxford estava lá, no instante seguinte sumiu.
- É, ouvi falar disso, mas sinceramente não dei muito crédito. Tudo o que sei é que eles massacraram a resistência de lá.
- Você sabe como eles agem. Nada de exércitos armados, mas sim legiões de monstros como lobisomens, vampiros, fantasmas.... Em vez de surgirem com armas de destruição em massa, como seus colegas aliens, eles tomaram a ilha através do medo. Essa “magia” que eles usam aterrorizou o país, nos fez voltar à idade das trevas. Às vezes sinto como se eles estivessem brincando conosco. Sinto que poderiam nos dizimar a qualquer momento, mas por algum motivo não o fazem.
- Quer dizer que eles estão brincando com nossos medos?
- Sim, talvez. Quem vai saber com certeza?
- Até faz sentido essa sua teoria, Dom. Basta ver que não podemos mais andar a noite por aí. Já ouvi várias histórias de fantasmas habitando Norfolk.
- E lobisomens em Somerset, vampiros em Hampshire, casos poltergeist em Essex... Merda, dizem até que o sol não nasce mais em Londres.... É como se tivessem aberto a caixa que continha nossos temores e despejado tudo sobre nós. Como você se livra de um fantasma? Dando um tiro nele?
- Rezando, Dom. Rezando – respondeu Rosie num sussurro.
Rezar era algo que Dominic Whitman não fazia já a alguns anos. Ele preferira abolir o aspecto religioso de sua vida, pois achava que o mundo seria menos complicado assim.
Após a invasão da Grã-Bretanha, seus valores caíram por terra. Ao fugir de Oxford, juntamente com um grupo de cinco refugiados, Dominic pôde ver criaturas semelhantes a vampiros sugando homens e assumindo suas formas. Visões de pura loucura.
Mas, loucura ou não, agora restavam poucas áreas ocupadas por humanos. Lentamente a maré sobrenatural se expandira a partir de Londres, tomando todo o reino em poucos meses. Agora, décadas depois da invasão, várias cidades estavam abandonadas e algumas, como a Lincoln de agora, eram invadidas à noite por fantasmas e pesadelos de todas as formas, fazendo com que os poucos humanos sobreviventes se reunissem em esconderijos a fim de suportarem juntos os tormentos. Poucas regiões permaneciam “livres” dos invasores, transformando-se em vilas fortificadas.
- Já cansei de rezar, Rosie. Amanhã eu caio fora de Lincoln. Vou pro norte, pra algum lugar no interior.
- Bem, é uma pena. O pessoal aqui está tentando arrumar a cidade...
- Já pensei bastante sobre isso e estou decidido.
- Boa viagem então.
Apesar do gosto ruim, semelhante à cerveja vencida, Dominic bebeu mais cinco copos da “gasolina” de Rosie antes de tombar no balcão. A dona do “bar” preferiu não o incomodar, deixando-o dormir quieto.
O sono de Dominic Whitman não foi nada tranqüilo.
Dominic acordou cedo, por volta das cinco da manhã. Mesmo assim teve que esperar até as oito horas pra poder sair da Nova Oficina. Sair com as sombras ainda presentes na cidade era um risco que ele não queria correr. Assim que o sol dominou completamente o horizonte, ele saiu pela porta do pub e rapidamente avançou até seu endereço atual, um pequeno apartamento nos altos do que fora um mini mercado. Muitos refugiados quando chegavam em Lincoln apenas tomavam posse de qualquer prédio, o que ocasionava brigas constantemente, já que não havia uma organização formal que mantivesse a ordem. Dom tivera sorte e ninguém viera contestar seu “direito” àquela moradia.
Apanhou sua mochila de viagem e encheu com seus poucos pertences. Algumas peças de roupas, um netbook com baterias solares que ele usava às vezes para jogar e escrever seu diário, um par de tênis, uma lanterna, uma faca de caça, fósforos, linha e alguns pedaços de carne salgada que conseguira trocando pilhas com um mercador no dia anterior. Sem ter de quem se despedir, saiu determinado pela porta a fora e logo entrou na rodovia A57, que levava ao noroeste do país. Resolveu caminhar sempre pela beira da estrada, já que eram locais mais abertos e ele poderia ver qualquer aproximação. De maneira nenhuma queria entrar nas florestas que ladeavam a estrada, pois já conhecia os relatos de casos estranhos acontecidos nestes locais ermos.
Após ter caminhado por quase três horas, lamentou não ter ficado em Lincoln tempo suficiente para convencer outras pessoas a acompanhá-lo. Mas ele sabia que isso seria bem difícil, pois a população atual de Lincoln era formada em sua maioria por refugiados das regiões do sul, gente cansada de fugir, e que apostava na cidade como um local de recomeço. Mas Dominic sabia que não haveria recomeço para ninguém ali. O terror que agora impedia as pessoas de andarem à noite pelas ruas, logo dominaria o dia também. Havia sido assim em Oxford. Havia sido assim em várias regiões do país.
Isso levara Dominic a pensar que seria melhor encontrar algum canto no interior onde pudesse se fixar em alguma vila fortificada, sendo mais difícil de ser encontrado pelas forças invasoras. Ou talvez pudesse encontrar algum sítio ou fazenda abandonada e permanecer lá até...
Até o quê? Ele realmente não sabia. Tudo o que queria no momento era esconder-se e permanecer vivo.
Seguiu pela rodovia durante todo o dia, parando apenas em intervalos breves para descansar. Sua intenção era logo encontrar a rodovia A156 e subir direto até Scunthorpe, mas o pôr do sol o encontrou em frente a uma encruzilhada. Consultando o mapa ele percebeu que não era a entrada da A156, mais sim uma encruzilhada desconhecida e não mapeada. Olhou em volta procurando algum sinal, algum ponto de referência, mas a escuridão crescente dificultava sua localização.
De repente, à sua esquerda surgiu um ponto de luz distante. A luz bruxuleava, como se fosse fruto talvez de uma fogueira. Pensou que talvez não fosse o único louco a tentar a sorte nestas estradas solitárias e resolveu apostar nisso. Caminhou lentamente em direção ao ponto luminoso.
Depois de alguns passos percebeu que a fogueira, ou o que quer que fosse, havia sido feita bem na beira da estrada e relaxou um pouco mais ao saber que não teria que entrar na floresta para checar aquela luz. Apanhou a faca de caça da mochila e aproximou-se lentamente, procurando identificar o destino antes que qualquer um o percebesse. A cerca de trinta metros de distância, agachou-se e observou detidamente o foco de luz.
Realmente era uma fogueira. E ela iluminava um homem que permanecia sentado, remexendo os gravetos com uma vara de madeira.
- Aproxime-se! – disse o homem - Fique calmo, não há o que temer.
Dominic assustou-se com o chamado do homem. Agarrou firmemente o cabo da faca.
- Venha! – insistiu o homem.
Dominic levantou-se e aproximou-se desconfiado. A fogueira iluminava completamente os dois homens, permitindo a ambos analisarem-se mutuamente. O homem sentado devia ter quase cinqüenta anos. Tinha cabelos médios e grisalhos, e vestia uma camisa amarela e calças jeans. Sua expressão era de relaxamento e ele movia-se devagar, como se procurasse não espantar Dominic com algum movimento brusco.
- Sente-se, por favor.
Dominic sentiu-se compelido a obedecer. Sentou-se em frente ao homem, deixando a fogueira entre os dois, porém, não largou a faca de caça. O louro olhou para a faca com descaso.
- Deixou a cidade também? – perguntou Dominic.
- Sim, já faz algum tempo – respondeu o homem.
- Meu nome é Whitman.
- Eu sou Braddock.
- Braddock? Me parece familiar.
- Talvez. Minha família é famosa. Ou era... Pra onde está indo?
- Para o norte. O quanto puder.
- As coisas estão ruins no sul, hein?
- Não poderiam estar piores.
- Mas o norte também não está muito melhor.
- Como sabe? Veio de lá?
- As coisas estão ruins no reino inteiro, meu amigo. Na verdade, no mundo inteiro.
- É, droga...
Braddock revirou as brasas da fogueira um pouco mais.
- E pensar que já fomos um povo guerreiro... – murmurou o grisalho.
Um uivo sobrenatural cortou a escuridão. Braddock levantou-se imediatamente enquanto Dominic tremeu arrepiado.
- Que diabos foi isso? – perguntou Dominic.
- Um espectro! - respondeu Braddock.
Dominic sentiu o sangue gelar nas veias. Ele nunca havia estado tão próximo e tão desprotegido de um alien.
- Eles voam na escuridão, caçando, vasculhando tudo... – murmurou Braddock – Venha! Temos que sair daqui. Ele deve ter visto a fogueira.
Sem falar nada, Dominic levantou-se e correu agachado até a linha das árvores que seguia a estrada. Somente quando chegou ao pé da árvore percebeu que Braddock não o acompanhara e permanecia de pé, junto ao fogo.
- Pss, Braddock! – Dominic tentou inutilmente chamar o outro.
Uma sombra moveu-se na escuridão, uma forma mal revelada pelas chamas da fogueira. Olhos vermelhos pontuaram na escuridão e Dominic pôde ouvir o som de enormes asas batendo. Forçou a vista e viu o brilho do fogo reluzindo em uma pele negra que movia-se a dois metros do solo, como uma ave gigantesca que encarava Braddock.
Soltando um novo uivo, a criatura alada arremessou-se contra o homem, fazendo-o quase cair sobre a fogueira. Braddock nem ao menos gritou, apenas fincou seus dedos na garganta do pássaro macabro, tentando quebrar seu pescoço. A criatura esperneava e tentava alcançar o rosto do homem com suas garras traseiras, mas Braddock mantinha firme a pressão e o monstro começou a espernear, passando do ataque à defesa.
Braddock forçou a criatura a recuar, conseguindo pôr-se de joelhos. Num esforço sobre-humano, ergueu-se e segurou a monstruosidade alada com ambas as mãos. A criatura debatia-se e seus olhos estavam esbugalhados, ameaçando sair do crânio. Ela rosnava como um lobo e babava como um cão enlouquecido, mas nem isso fez com que o homem a soltasse.
Num gesto brutal, Braddock arrancou a cabeça da criatura e gritou desafiadoramente para a escuridão.
Dominic, que observara a luta imobilizado pelo terror, levantou-se segurando a faca em posição de ataque e apontou-a para Braddock.
- V-Você não é humano! – disse, apavorado.
Braddock soltou o corpo do monstro e arremessou sua cabeça na fogueira. Em seguida encarou Dominic.
- Sou tão humano quanto você. E tão ansioso pela liberdade quanto você.
- A-afaste-se!
- Temos que sair daqui. Dominic. Em breve outros virão.
- Como sabe meu nome?
- Estava predito que eu lhe encontraria aqui. Vamos! Não podemos perder tempo.
- M-mas, pra onde?
Braddock retira os restos da camisa que vestia, agora retalhadas pelas garras do inimigo alado, e joga-os fora revelando uma outra roupa, de cor vermelha e azul. Da sua cintura ele retira uma espécie de cetro dourado pequeno, quase um bastão. Dominic pôde perceber que haviam símbolos inscritos nele e estranhou não tê-lo percebido antes. Braddock segurou o cetro à sua frente e girou-o enquanto recitava algo numa língua que Dominic achou similar ao inglês arcaico utilizado pelos anglo-saxões. Uma porta luminosa se abriu no ar.
- Se está pensando que vou entrar aí... – começou Dominic.
- Não temos mais tempo. Eles estão vindo!
Braddock agarrou Dominic com velocidade sobre-humana e empurrou-o pela porta mística, acompanhando-o em seguida. Atrás dos dois homens, o uivo de vários monstros podiam ser ouvidos.
Dominic abriu os olhos ainda temendo o que encontraria. Percebeu que estavam em um salão feito com paredes de pedra, ornamentado por escudos de várias formas e portadores de várias insígnias. À frente, duas espadas repousavam flutuando no ar sobre um altar de pedra.
- Onde estamos? Como viemos parar aqui? – indagou atônito.
- Estamos num local de raro poder. Um local mantido afastado do inimigo a um alto custo. O salão de Camelot – respondeu Braddock num ar respeitoso.
- Camelot? Camelot nunca existiu.
- Se pensa assim é por que ela foi bem escondida realmente.
- Devemos ter caído num poço, algo assim...
- Chega, Dominic Whitman! – disse Braddock energicamente - Não é hora de ser um cético. É hora de reunir-se com sua fé.
- O que quer dizer com isso?
- Sua linhagem é antiga e por várias vezes serviu ao nosso povo. É chegada a hora de servir novamente.
- E-eu já ouvi falar algo sobre isso. Meu avô comentava sobre Sir Whitman, mas eu nunca achei provas históricas e...
- As provas são para os descrentes. Para nós bastam as lendas. Você é o último da linhagem de Sir Whitman, o primeiro Cavaleiro Negro da Távola Redonda!
Ao ouvir esta afirmação, o coração de Dominic acelera. É como se algo despertasse em seu íntimo, algo antigo e real, percebido não pelos sentidos mas sim por um instinto superior e mais amplo.
- O que devo fazer, Braddock? – pergunta Dominic, sentindo uma nova força percorrer seu corpo.
Braddock aponta para as espadas que flutuam sustentadas por mãos invisíveis.
- Assim como eu tomei posse de meu símbolo de poder, você deve retomar o seu. Sua família é, por direito, dona e protetora da espada ébano, a arma que lhe permitirá defender o reino da opressão invasora. Aproxime-se e agarre sua herança.
Dominic aproxima-se das espadas e as observa com curiosidade e temor. Uma delas possui a lâmina completamente negra, enquanto a outra possui a lâmina dourada e radiante. Dominic ajoelha-se perante as espadas e faz uma prece, que brota naturalmente de seus lábios, como se ele nunca houvesse parado de recitá-la. Então ele se ergue e apanha a espada ébano. A lâmina vibra, transmitindo poder por todo o seu corpo. O último Whitman tem visões dos atos de seus antepassados, dos dias gloriosos de Camelot, quando seu ancestral Sir Percy Whitman brandia a lâmina em nome da justiça, em defesa de um rei justo e bom, Arthur Pendragon. O fluxo de poder é imenso e ameaça jogar Dominic no chão, mas ele se mantém firme.
- Sim! SIM! Eu sou o último Whitman! Agora eu sou o CAVALEIRO NEGRO! – brada Dominic.
Braddock observa com satisfação o momento de revelação vivido pelo homem à sua frente e lembra-se de si mesmo, quando encontrou pela primeira vez o salão de pedra.
- Não só isso, meu amigo. O reino vive momentos desesperadores, e quando isto acontece, os heróis de nossa terra são chamados para defendê-lo. Você tem uma honra a mais.
- Não preciso de honras, Braddock. O que eu preciso é sair e combater a força alienígena.
- Isso virá. Mas tenho ainda algo a dizer sobre sua herança.
- Diga, Braddock... ou devo chamá-lo de CAPITÃO BRITÂNIA?
- Ah, agora você tem plena consciência de quem eu sou. Muito bem.
- A espada me disse. Não entendo como, mas ela me disse muitas coisas.
- Olhe a segunda espada. A mais brilhante de todas que já foram ou serão forjadas.
- Eu sei qual espada é esta... é EXCALIBUR, a espada do Rei Arthur.
- Sim. Ela foi empunhada por este nobre homem em tempos passados. E a Inglaterra necessita dela novamente.
- Somente o Rei deve empunhar Excalibur, Capitão.
- E ele empunhará, de certo modo.
- Chega de mistérios. Diga o que deve.
- Dominic Whitman, saiba que Excalibur é tua também.
- O QUÊ? COMO? IMPOSSÍVEL!
- Esta palavra não existe aqui, meu amigo.
- Não sou digno, Braddock.
- Atualmente você é o único que pode empunhar Excalibur, pois é descendente de Arthur Pendragon também. Quis o destino que teu bisavô Dane Whitman desposasse Anna Bertram descendente direta de Mordred, o filho legítimo do rei. Em tuas veias corre sangue real, Dominic Withman.
- Deus...
- Sim, uma junção de heranças e poder para varrer os violadores do solo bretão.
Dominic aproximou-se de Excalibur. Sua garganta estava seca e suas mãos tremiam. Ainda atordoado pela posse da espada ébano, ele tocou gentilmente a lâmina dourada. No mesmo instante sua mão foi puxada para o cabo e seu corpo estremeceu.
- A espada ébano sempre tratou da retaliação, da vingança contra aqueles que tentaram corromper o reino – diz o Capitão Britânia.
As espadas brilham e tremem nos braços de Dominic. Eles as ergueu involuntariamente e gritou extasiado pelo poder que agora detinha.
- Excalibur sempre foi a lâmina da justiça. Usada para proporcionar a proteção ao mais fraco. E agora, nas suas mãos...
As espadas se tocam e um brilho fulgurante toma conta do salão. Quando o brilho se esvai, Dominic Whitman, o novo Cavaleiro Negro está trajando sua armadura negra e em suas mãos existe uma única espada.
Não a espada ébano.
Nem excalibur.
Mas sim, uma amálgama das duas.
- Agora a Inglaterra possui uma só lâmina. Para distribuir a justiça e para vingar os fracos! – diz o Capitão Britânia.
- Chega de palavras, Braddock. É hora de salvarmos o reino! – disse Dominic, com os olhos brilhando com poder.
O Capitão Britânia assentiu com um sorriso e respondeu:
- Sim. E para tanto precisamos encontrar uma bruxa.
Continua...
O homem levantou a gola do casaco e apressou o passo. Desviou-se de alguns montes de entulhos que permaneciam jogados no meio da calçada e passou para a rua. O vento frio levantava papéis, fazendo-os rolar pelo asfalto rachado. Mais por instinto do que por esperança, o homem olhou em volta. Como esperava, não viu ninguém.
O sol já ia bem baixo, quase sumindo na linha do horizonte. As sombras dos poucos prédios que permaneciam de pé alongavam-se como dedos tentando agarrar a borda de um precipício. O homem enfiou as mãos nos bolsos do casaco marrom, tentando protegê-las do frio que logo viria. Ele sabia que viria. Bastava anoitecer para que a temperatura caísse quase oito graus. Era assim já fazia alguns anos. Na verdade, era assim desde que o mundo havia acabado e os poucos humanos sobreviventes esgueiravam-se pelos escombros de suas cidades, subjugados por forças além de sua compreensão.
O homem dobrou a esquina e, ao mesmo tempo quem que o frio sobrenatural atingiu suas costas, ele observou o movimento no meio do quarteirão à frente. Duas ou três pessoas andavam apressadas como ele para alcançar a entrada do que fora um pub famoso alguns anos atrás. Observou que elas batiam na porta e rapidamente eram postos para dentro.
Chegou em frente à porta, e percebeu que acima do prédio ainda se lia os restos de um luminoso: “A Nova Oficina”. Sorriu sarcasticamente ao pensar que a palavra “nova” não dizia respeito a nada naquele prédio.
Bateu com força duas vezes na porta metálica. Uma pequena abertura se abriu no meio da porta e um fino raio vermelho percorreu seu corpo da cabeça aos pés.
- Tá limpo. Entra. – disse uma voz masculina vinda do interior do prédio, no mesmo instante em que a porta se abria.
Deu um passo à frente, mas ficou petrificado ao ouvir um guincho fantasmagórico vindo da rua abaixo.
- Entra, porra! – exigiu o porteiro do prédio, um homem calvo, aparentando cerca de quarenta anos e vestido com um jeans surrado e uma camisa azul de botões.
Sem esperar mais nada, o homem entrou no prédio. O porteiro fechou a entrada pelo lado de dentro com grandes trancas, cadeados e correntes.
- Você é o último de hoje – disse o porteiro – Da próxima vez, chegue mais cedo.
O homem assentiu com a cabeça. O porteiro beijou o crucifixo que trazia pendurado no pescoço, benzeu-se e sentou-se num pequeno banco de madeira, agarrando firmemente um rifle de plasma.
À frente do homem abria-se um corredor estreito e mal iluminado. Mesmo assim ele avançou, desta vez com passos mais lentos. Ele sabia que ali dentro não estava totalmente seguro, porém, era muito melhor estar ali do que lá fora, com as coisas que a noite trazia. Caminhou cerca de quarenta metros pelo corredor em declive. Pela inclinação era fácil constatar que estava abaixo do nível do solo. Aos poucos o som de uma música, acompanhada do burburinho de vozes, foi enchendo seus ouvidos.
Atravessou uma entrada larga, provavelmente utilizada para a passagem de veículos e entrou num velho estacionamento subterrâneo transformado em um pub. Ou no mais próximo disso que fosse possível. Cerca de quarenta pessoas estavam espalhadas pelo lugar, conversando e bebendo. Aquele era um dos dias mais movimentados que já vira, desde que chegara na cidade a cerca de três semanas. Atravessou o salão e foi até o “bar”, na verdade um balcão velho de madeira com algumas cadeiras desiguais enfileiradas. Atrás do balcão, uma mulher loura e desarrumada servia copos com a única bebida disponível, extraída de alguns latões empilhados.
- Me dá um whisky, Rosie – pediu o homem.
- Muito engraçado, Dom. Por que não inventa uma piada nova? – responde Rose.
- Hm... me dá uma vodca?
- Desisto.
Rosie enche um copo com o líquido dourado, levemente parecido com cerveja, e estende para Dan. Ele apanha o copo sem muita convicção de que vai bebê-lo.
- Se ao menos fosse uma cerveja decente... – resmunga.
- Ah, então por que não vai tentar a sorte no próximo bar?
- Existe um “próximo bar”?
- Qualquer dia vou te expulsar daqui e te jogar no meio dos fantasmas.
- Eles têm cerveja?
- Sempre zombando, não é?
- Não resta muito mais a fazer, Rosie. Do modo como as coisas estão, só nos resta a ironia.
- Ah, o famoso “humor inglês”...
- Ei, tenho uma avó irlandesa também, não esqueça. E só tendo sangue inglês e irlandês para agüentar tudo isso.
- Nem bebeu ainda e já está choramingando...
- Longe disso. Não sou de choramingar. Sou apenas pragmático. Olhe em volta e veja o que restou dos ingleses... refugiados no subsolo, bebendo gasolina...
- Ei, mas o mundo inteiro está na merda. Não só o reino. Desde que esses aliens malditos chegaram...
- Sim, Rosie. Eles vieram com tudo. E sabe por que nos derrotaram?
- Porque tinham armas de raios e todo tipo de supertecnologia de guerra?
- Não. Eles nos derrotaram porque nunca fomos uma raça unida. Quando eles chegaram, quantos conflitos haviam pelo mundo? Cinquenta? Cem?
- Um monte, com certeza.
- Pois é. Um brinde à burrice humana... – Dom levanta seu copo numa saudação e bebe todo o seu conteúdo em seguida.
- Hm, me diz... você trabalhava em quê quando tudo isto começou?
- Eu pretendia trabalhar como professor de história em Oxford, mas só achei trabalho braçal nas poucas vilas livres que encontrei. Enche de novo esse copo aí... – responde Dom estendendo o copo vazio.
- Ah, um professor. Está explicada essa pose de ativista político.
- Nunca lecionei, Rosie.
Rosie encheu rapidamente o copo e devolveu-o ao cliente.
- E como escapou de lá? Ouvi dizer que Oxford... – perguntou ela.
- Oxford desapareceu. Não existe mais. Puf!
- Como assim? Explodiram a cidade?
- Pior do que isso. Se tivéssemos sido invadidos pelos krees, skrulls ou qualquer raça de base tecnológica, seria mais fácil de entender... mas, com esses espectros desgraçados a coisa é bem diferente. Eles usam MAGIA. Uma hora Oxford estava lá, no instante seguinte sumiu.
- É, ouvi falar disso, mas sinceramente não dei muito crédito. Tudo o que sei é que eles massacraram a resistência de lá.
- Você sabe como eles agem. Nada de exércitos armados, mas sim legiões de monstros como lobisomens, vampiros, fantasmas.... Em vez de surgirem com armas de destruição em massa, como seus colegas aliens, eles tomaram a ilha através do medo. Essa “magia” que eles usam aterrorizou o país, nos fez voltar à idade das trevas. Às vezes sinto como se eles estivessem brincando conosco. Sinto que poderiam nos dizimar a qualquer momento, mas por algum motivo não o fazem.
- Quer dizer que eles estão brincando com nossos medos?
- Sim, talvez. Quem vai saber com certeza?
- Até faz sentido essa sua teoria, Dom. Basta ver que não podemos mais andar a noite por aí. Já ouvi várias histórias de fantasmas habitando Norfolk.
- E lobisomens em Somerset, vampiros em Hampshire, casos poltergeist em Essex... Merda, dizem até que o sol não nasce mais em Londres.... É como se tivessem aberto a caixa que continha nossos temores e despejado tudo sobre nós. Como você se livra de um fantasma? Dando um tiro nele?
- Rezando, Dom. Rezando – respondeu Rosie num sussurro.
Rezar era algo que Dominic Whitman não fazia já a alguns anos. Ele preferira abolir o aspecto religioso de sua vida, pois achava que o mundo seria menos complicado assim.
Após a invasão da Grã-Bretanha, seus valores caíram por terra. Ao fugir de Oxford, juntamente com um grupo de cinco refugiados, Dominic pôde ver criaturas semelhantes a vampiros sugando homens e assumindo suas formas. Visões de pura loucura.
Mas, loucura ou não, agora restavam poucas áreas ocupadas por humanos. Lentamente a maré sobrenatural se expandira a partir de Londres, tomando todo o reino em poucos meses. Agora, décadas depois da invasão, várias cidades estavam abandonadas e algumas, como a Lincoln de agora, eram invadidas à noite por fantasmas e pesadelos de todas as formas, fazendo com que os poucos humanos sobreviventes se reunissem em esconderijos a fim de suportarem juntos os tormentos. Poucas regiões permaneciam “livres” dos invasores, transformando-se em vilas fortificadas.
- Já cansei de rezar, Rosie. Amanhã eu caio fora de Lincoln. Vou pro norte, pra algum lugar no interior.
- Bem, é uma pena. O pessoal aqui está tentando arrumar a cidade...
- Já pensei bastante sobre isso e estou decidido.
- Boa viagem então.
Apesar do gosto ruim, semelhante à cerveja vencida, Dominic bebeu mais cinco copos da “gasolina” de Rosie antes de tombar no balcão. A dona do “bar” preferiu não o incomodar, deixando-o dormir quieto.
O sono de Dominic Whitman não foi nada tranqüilo.
Dominic acordou cedo, por volta das cinco da manhã. Mesmo assim teve que esperar até as oito horas pra poder sair da Nova Oficina. Sair com as sombras ainda presentes na cidade era um risco que ele não queria correr. Assim que o sol dominou completamente o horizonte, ele saiu pela porta do pub e rapidamente avançou até seu endereço atual, um pequeno apartamento nos altos do que fora um mini mercado. Muitos refugiados quando chegavam em Lincoln apenas tomavam posse de qualquer prédio, o que ocasionava brigas constantemente, já que não havia uma organização formal que mantivesse a ordem. Dom tivera sorte e ninguém viera contestar seu “direito” àquela moradia.
Apanhou sua mochila de viagem e encheu com seus poucos pertences. Algumas peças de roupas, um netbook com baterias solares que ele usava às vezes para jogar e escrever seu diário, um par de tênis, uma lanterna, uma faca de caça, fósforos, linha e alguns pedaços de carne salgada que conseguira trocando pilhas com um mercador no dia anterior. Sem ter de quem se despedir, saiu determinado pela porta a fora e logo entrou na rodovia A57, que levava ao noroeste do país. Resolveu caminhar sempre pela beira da estrada, já que eram locais mais abertos e ele poderia ver qualquer aproximação. De maneira nenhuma queria entrar nas florestas que ladeavam a estrada, pois já conhecia os relatos de casos estranhos acontecidos nestes locais ermos.
Após ter caminhado por quase três horas, lamentou não ter ficado em Lincoln tempo suficiente para convencer outras pessoas a acompanhá-lo. Mas ele sabia que isso seria bem difícil, pois a população atual de Lincoln era formada em sua maioria por refugiados das regiões do sul, gente cansada de fugir, e que apostava na cidade como um local de recomeço. Mas Dominic sabia que não haveria recomeço para ninguém ali. O terror que agora impedia as pessoas de andarem à noite pelas ruas, logo dominaria o dia também. Havia sido assim em Oxford. Havia sido assim em várias regiões do país.
Isso levara Dominic a pensar que seria melhor encontrar algum canto no interior onde pudesse se fixar em alguma vila fortificada, sendo mais difícil de ser encontrado pelas forças invasoras. Ou talvez pudesse encontrar algum sítio ou fazenda abandonada e permanecer lá até...
Até o quê? Ele realmente não sabia. Tudo o que queria no momento era esconder-se e permanecer vivo.
Seguiu pela rodovia durante todo o dia, parando apenas em intervalos breves para descansar. Sua intenção era logo encontrar a rodovia A156 e subir direto até Scunthorpe, mas o pôr do sol o encontrou em frente a uma encruzilhada. Consultando o mapa ele percebeu que não era a entrada da A156, mais sim uma encruzilhada desconhecida e não mapeada. Olhou em volta procurando algum sinal, algum ponto de referência, mas a escuridão crescente dificultava sua localização.
De repente, à sua esquerda surgiu um ponto de luz distante. A luz bruxuleava, como se fosse fruto talvez de uma fogueira. Pensou que talvez não fosse o único louco a tentar a sorte nestas estradas solitárias e resolveu apostar nisso. Caminhou lentamente em direção ao ponto luminoso.
Depois de alguns passos percebeu que a fogueira, ou o que quer que fosse, havia sido feita bem na beira da estrada e relaxou um pouco mais ao saber que não teria que entrar na floresta para checar aquela luz. Apanhou a faca de caça da mochila e aproximou-se lentamente, procurando identificar o destino antes que qualquer um o percebesse. A cerca de trinta metros de distância, agachou-se e observou detidamente o foco de luz.
Realmente era uma fogueira. E ela iluminava um homem que permanecia sentado, remexendo os gravetos com uma vara de madeira.
- Aproxime-se! – disse o homem - Fique calmo, não há o que temer.
Dominic assustou-se com o chamado do homem. Agarrou firmemente o cabo da faca.
- Venha! – insistiu o homem.
Dominic levantou-se e aproximou-se desconfiado. A fogueira iluminava completamente os dois homens, permitindo a ambos analisarem-se mutuamente. O homem sentado devia ter quase cinqüenta anos. Tinha cabelos médios e grisalhos, e vestia uma camisa amarela e calças jeans. Sua expressão era de relaxamento e ele movia-se devagar, como se procurasse não espantar Dominic com algum movimento brusco.
- Sente-se, por favor.
Dominic sentiu-se compelido a obedecer. Sentou-se em frente ao homem, deixando a fogueira entre os dois, porém, não largou a faca de caça. O louro olhou para a faca com descaso.
- Deixou a cidade também? – perguntou Dominic.
- Sim, já faz algum tempo – respondeu o homem.
- Meu nome é Whitman.
- Eu sou Braddock.
- Braddock? Me parece familiar.
- Talvez. Minha família é famosa. Ou era... Pra onde está indo?
- Para o norte. O quanto puder.
- As coisas estão ruins no sul, hein?
- Não poderiam estar piores.
- Mas o norte também não está muito melhor.
- Como sabe? Veio de lá?
- As coisas estão ruins no reino inteiro, meu amigo. Na verdade, no mundo inteiro.
- É, droga...
Braddock revirou as brasas da fogueira um pouco mais.
- E pensar que já fomos um povo guerreiro... – murmurou o grisalho.
Um uivo sobrenatural cortou a escuridão. Braddock levantou-se imediatamente enquanto Dominic tremeu arrepiado.
- Que diabos foi isso? – perguntou Dominic.
- Um espectro! - respondeu Braddock.
Dominic sentiu o sangue gelar nas veias. Ele nunca havia estado tão próximo e tão desprotegido de um alien.
- Eles voam na escuridão, caçando, vasculhando tudo... – murmurou Braddock – Venha! Temos que sair daqui. Ele deve ter visto a fogueira.
Sem falar nada, Dominic levantou-se e correu agachado até a linha das árvores que seguia a estrada. Somente quando chegou ao pé da árvore percebeu que Braddock não o acompanhara e permanecia de pé, junto ao fogo.
- Pss, Braddock! – Dominic tentou inutilmente chamar o outro.
Uma sombra moveu-se na escuridão, uma forma mal revelada pelas chamas da fogueira. Olhos vermelhos pontuaram na escuridão e Dominic pôde ouvir o som de enormes asas batendo. Forçou a vista e viu o brilho do fogo reluzindo em uma pele negra que movia-se a dois metros do solo, como uma ave gigantesca que encarava Braddock.
Soltando um novo uivo, a criatura alada arremessou-se contra o homem, fazendo-o quase cair sobre a fogueira. Braddock nem ao menos gritou, apenas fincou seus dedos na garganta do pássaro macabro, tentando quebrar seu pescoço. A criatura esperneava e tentava alcançar o rosto do homem com suas garras traseiras, mas Braddock mantinha firme a pressão e o monstro começou a espernear, passando do ataque à defesa.
Braddock forçou a criatura a recuar, conseguindo pôr-se de joelhos. Num esforço sobre-humano, ergueu-se e segurou a monstruosidade alada com ambas as mãos. A criatura debatia-se e seus olhos estavam esbugalhados, ameaçando sair do crânio. Ela rosnava como um lobo e babava como um cão enlouquecido, mas nem isso fez com que o homem a soltasse.
Num gesto brutal, Braddock arrancou a cabeça da criatura e gritou desafiadoramente para a escuridão.
Dominic, que observara a luta imobilizado pelo terror, levantou-se segurando a faca em posição de ataque e apontou-a para Braddock.
- V-Você não é humano! – disse, apavorado.
Braddock soltou o corpo do monstro e arremessou sua cabeça na fogueira. Em seguida encarou Dominic.
- Sou tão humano quanto você. E tão ansioso pela liberdade quanto você.
- A-afaste-se!
- Temos que sair daqui. Dominic. Em breve outros virão.
- Como sabe meu nome?
- Estava predito que eu lhe encontraria aqui. Vamos! Não podemos perder tempo.
- M-mas, pra onde?
Braddock retira os restos da camisa que vestia, agora retalhadas pelas garras do inimigo alado, e joga-os fora revelando uma outra roupa, de cor vermelha e azul. Da sua cintura ele retira uma espécie de cetro dourado pequeno, quase um bastão. Dominic pôde perceber que haviam símbolos inscritos nele e estranhou não tê-lo percebido antes. Braddock segurou o cetro à sua frente e girou-o enquanto recitava algo numa língua que Dominic achou similar ao inglês arcaico utilizado pelos anglo-saxões. Uma porta luminosa se abriu no ar.
- Se está pensando que vou entrar aí... – começou Dominic.
- Não temos mais tempo. Eles estão vindo!
Braddock agarrou Dominic com velocidade sobre-humana e empurrou-o pela porta mística, acompanhando-o em seguida. Atrás dos dois homens, o uivo de vários monstros podiam ser ouvidos.
Dominic abriu os olhos ainda temendo o que encontraria. Percebeu que estavam em um salão feito com paredes de pedra, ornamentado por escudos de várias formas e portadores de várias insígnias. À frente, duas espadas repousavam flutuando no ar sobre um altar de pedra.
- Onde estamos? Como viemos parar aqui? – indagou atônito.
- Estamos num local de raro poder. Um local mantido afastado do inimigo a um alto custo. O salão de Camelot – respondeu Braddock num ar respeitoso.
- Camelot? Camelot nunca existiu.
- Se pensa assim é por que ela foi bem escondida realmente.
- Devemos ter caído num poço, algo assim...
- Chega, Dominic Whitman! – disse Braddock energicamente - Não é hora de ser um cético. É hora de reunir-se com sua fé.
- O que quer dizer com isso?
- Sua linhagem é antiga e por várias vezes serviu ao nosso povo. É chegada a hora de servir novamente.
- E-eu já ouvi falar algo sobre isso. Meu avô comentava sobre Sir Whitman, mas eu nunca achei provas históricas e...
- As provas são para os descrentes. Para nós bastam as lendas. Você é o último da linhagem de Sir Whitman, o primeiro Cavaleiro Negro da Távola Redonda!
Ao ouvir esta afirmação, o coração de Dominic acelera. É como se algo despertasse em seu íntimo, algo antigo e real, percebido não pelos sentidos mas sim por um instinto superior e mais amplo.
- O que devo fazer, Braddock? – pergunta Dominic, sentindo uma nova força percorrer seu corpo.
Braddock aponta para as espadas que flutuam sustentadas por mãos invisíveis.
- Assim como eu tomei posse de meu símbolo de poder, você deve retomar o seu. Sua família é, por direito, dona e protetora da espada ébano, a arma que lhe permitirá defender o reino da opressão invasora. Aproxime-se e agarre sua herança.
Dominic aproxima-se das espadas e as observa com curiosidade e temor. Uma delas possui a lâmina completamente negra, enquanto a outra possui a lâmina dourada e radiante. Dominic ajoelha-se perante as espadas e faz uma prece, que brota naturalmente de seus lábios, como se ele nunca houvesse parado de recitá-la. Então ele se ergue e apanha a espada ébano. A lâmina vibra, transmitindo poder por todo o seu corpo. O último Whitman tem visões dos atos de seus antepassados, dos dias gloriosos de Camelot, quando seu ancestral Sir Percy Whitman brandia a lâmina em nome da justiça, em defesa de um rei justo e bom, Arthur Pendragon. O fluxo de poder é imenso e ameaça jogar Dominic no chão, mas ele se mantém firme.
- Sim! SIM! Eu sou o último Whitman! Agora eu sou o CAVALEIRO NEGRO! – brada Dominic.
Braddock observa com satisfação o momento de revelação vivido pelo homem à sua frente e lembra-se de si mesmo, quando encontrou pela primeira vez o salão de pedra.
- Não só isso, meu amigo. O reino vive momentos desesperadores, e quando isto acontece, os heróis de nossa terra são chamados para defendê-lo. Você tem uma honra a mais.
- Não preciso de honras, Braddock. O que eu preciso é sair e combater a força alienígena.
- Isso virá. Mas tenho ainda algo a dizer sobre sua herança.
- Diga, Braddock... ou devo chamá-lo de CAPITÃO BRITÂNIA?
- Ah, agora você tem plena consciência de quem eu sou. Muito bem.
- A espada me disse. Não entendo como, mas ela me disse muitas coisas.
- Olhe a segunda espada. A mais brilhante de todas que já foram ou serão forjadas.
- Eu sei qual espada é esta... é EXCALIBUR, a espada do Rei Arthur.
- Sim. Ela foi empunhada por este nobre homem em tempos passados. E a Inglaterra necessita dela novamente.
- Somente o Rei deve empunhar Excalibur, Capitão.
- E ele empunhará, de certo modo.
- Chega de mistérios. Diga o que deve.
- Dominic Whitman, saiba que Excalibur é tua também.
- O QUÊ? COMO? IMPOSSÍVEL!
- Esta palavra não existe aqui, meu amigo.
- Não sou digno, Braddock.
- Atualmente você é o único que pode empunhar Excalibur, pois é descendente de Arthur Pendragon também. Quis o destino que teu bisavô Dane Whitman desposasse Anna Bertram descendente direta de Mordred, o filho legítimo do rei. Em tuas veias corre sangue real, Dominic Withman.
- Deus...
- Sim, uma junção de heranças e poder para varrer os violadores do solo bretão.
Dominic aproximou-se de Excalibur. Sua garganta estava seca e suas mãos tremiam. Ainda atordoado pela posse da espada ébano, ele tocou gentilmente a lâmina dourada. No mesmo instante sua mão foi puxada para o cabo e seu corpo estremeceu.
- A espada ébano sempre tratou da retaliação, da vingança contra aqueles que tentaram corromper o reino – diz o Capitão Britânia.
As espadas brilham e tremem nos braços de Dominic. Eles as ergueu involuntariamente e gritou extasiado pelo poder que agora detinha.
- Excalibur sempre foi a lâmina da justiça. Usada para proporcionar a proteção ao mais fraco. E agora, nas suas mãos...
As espadas se tocam e um brilho fulgurante toma conta do salão. Quando o brilho se esvai, Dominic Whitman, o novo Cavaleiro Negro está trajando sua armadura negra e em suas mãos existe uma única espada.
Não a espada ébano.
Nem excalibur.
Mas sim, uma amálgama das duas.
- Agora a Inglaterra possui uma só lâmina. Para distribuir a justiça e para vingar os fracos! – diz o Capitão Britânia.
- Chega de palavras, Braddock. É hora de salvarmos o reino! – disse Dominic, com os olhos brilhando com poder.
O Capitão Britânia assentiu com um sorriso e respondeu:
- Sim. E para tanto precisamos encontrar uma bruxa.
Continua...
Postar um comentário