Últimas Publicações:

Ultimate UNF: Hera Venenosa #3


A dor da despedida é doce. O dia mais triste da vida de Pamela Isley.


Hera Venenosa #3
Jardins

Por Pedro Caldeira

Seattle, alguns anos atrás

Parado na rua, o veículo bege. Dentro, no banco do carona, uma mulher com um sorriso triste e olhar mareado. No banco do motorista, um homem com uma forte expressão de impaciência.

Na porta da já fechada casa típica, branca e com cercas da mesma cor, dois amigos teimavam em se despedir.

- Vou sentir sua falta. Muito.
- Prometo que vou te escrever todos os dias.

As mãos dadas revelavam a cumplicidade entre Pamela e Tom. Eles eram inseparáveis.

A falta de palavras era suprida pela troca de olhares. O brilho intenso revelava tamanho sentimento.

Dentro do carro, a impaciência se transformava em raiva. A mão ao volante, com força, agora apertava a buzina.

Mas isso não foi o suficiente para estragar o momento.

Novamente, no interior do veículo, a mãe tentava amenizar a situação, explicando que se tratava do único amigo que a filha deles tinha.

O ‘não me interessa’ ecoou acompanhado por uma bofetada.

- Pamela, entre no carro AGORA!

O grito a assustou, e, por reflexo, Pamela puxou as mãos de Tom para mais perto e o beijou a boca.

Um beijo infantil, porém foi o primeiro deles. Um beijo tão sensível quanto um choque que tomamos ao colocarmos os dedos em uma tomada.

Olhos fechados, sorrisos singelos. Rostos corados. Vergonha boba.

- PAMELA!

Bruscamente o pai apertou o braço de Pamela, quebrando aquela tela pintada pelos românticos.

- Você está maluca? E você, seu moleque? Se aproveitando dela? Ela só tem 12 anos!

Tom não teve reação.

E enquanto o senhor Isley arrastava a filha pelos jardins, Pamela chorava e chamava pelo amigo, que ficou para trás, parvo, vendo o amor se quebrar.

Poucos segundos depois, pai, mãe e filha gritavam dentro do carro.

O pai, pela demora e pelo beijo.

A mãe, por defender um ato puro.

A filha, por não querer viajar.

Os olhos estavam vermelhos. De todos.

E Pamela se engasgou quando o pai virou o corpo e, com a mão fechada, acertou o seu queixo.

Os óculos caíram sob o banco. Os soluços duram até hoje...

Amazônia peruana, dias depois

Próximo a uma aldeia indígena, dezenas de ambientalistas montaram acampamentos. Gente de várias partes do mundo se reuniu para protestar contra o crescente desmatamento da maior floresta do mundo.

Sozinhas, mãe e filha caminharam um pouco pelas trilhas.

- Pam, sabia que aqui tem uma história... uma lenda?
- Lenda?
- Na verdade não sabemos se é lenda, porque existe uma foto. Mas essa foto pode ter sido alterada.
- Do que se trata?
- É sobre a árvore gigante de Martius, que possivelmente se trata de um Hymenaea courbaril, ou, jatobá. Ela foi descoberta na Amazônia e seriam necessários quinze homens para abraçar o tronco na altura do solo. Ou seja, a árvore tem oito metros de diâmetro. O diâmetro do tronco cilíndrico, na altura de três metros do solo, tinha seis metros. A idade calculada dela é entre 2.052 e 4.104 anos, segundo o próprio Martius, um pesquisador muito conhecido.
- A gente podia procurar a árvore, né, mamãe?
- Quando terminarmos de fazer o que viemos fazer, querida, a procuramos.
- Só nós duas!
- Mas se formos só nós duas não poderemos abraçá-la!

E elas voltaram a caminhar, abraçadas, planejando como seria o encontro com esse jatobá...

Na mesma noite, depois de rituais indígenas, os responsáveis pelo combate se sentaram ao redor de uma grande fogueira, acompanhados pelos líderes tribais de diversas etnias indígenas.

Foi traçado um plano de ação, estratégias de defesa e outros detalhes.

- Podemos acorrentar alguns ecologistas e indígenas nas árvores mais antigas!
- Sim! Talvez fazer barricadas humanas!
- Verdade!
- Mas não podemos esquecer que não vamos usar de violência.

Um cacique balbuciou algo e logo o guia tratou de traduzir:

- Ele disse que se for preciso entrará em guerra para defender a própria terra.
- Sim – interrompeu a senhora Isley – mas isso em último caso, né? Há crianças envolvidas. A imprensa dará cobertura. Vamos ser pacíficos até o fim!
- Mas se nos atacarem ou ignorarem nosso protesto?

A discussão então voltou desordenada.

Mais afastada da roda, Pamela, sozinha, deitava na relva e olhava o céu.

- As estrelas daqui são diferentes...!

Um pajé se aproximou e lhe entregou uma flor. Linda, de cor vibrante e cheiro fortíssimo.

Pamela a pegou e a prendeu na orelha, agradecendo. O pajé saiu saltando, sacudindo aquela espécie de chocalho, feito de cascas de árvores e sementes de plantas.

Restou à criança admirar a natureza: insetos noturnos e a flora.

Encerrando a discussão à fogueira, combinaram de agir na manhã seguinte, espalhando os ambientalistas em pontos estratégicos das madeireiras ilegais.

O fogo foi extinto quando jogaram terra sobre ele.

Na hora combinada, antes do sol raiar, o acampamento já havia sido desmontado.

Jipes lotados de brancos, negros e índios se dirigiam aos locais combinados. Eles portavam faixas, bandeiras e, escondidos, arcos, flechas, lanças tacapes e... armas de fogo.

Todos já posicionados. A senhora Isley segurou a mão de Pamela.

- Filha, quero que você fique perto de mim. Aconteça o que acontecer, não se afaste.
- Tá certo, mamãe. Onde está papai?

A pergunta a deixou preocupada. Ela não via o marido desde cedo.

- Vou procurá-lo. Fique por aqui, com nossos amigos.

Andando mata adentro, a senhora Isley ora admirava o local, ora olhava atentamente.

Até ouvir duas vozes masculinas.

Escondendo-se atrás de uma árvore, ela viu o esposo conversando com um homem de terno escuro, que portava uma maleta.

O diálogo não era tenso. Ousou se aproximar mais e ficou paralisada com o conteúdo da conversa.

Assim que os dois homens apertaram as mãos, o de terno lhe entregou a maleta e saiu, quando quatro guardas se aproximaram.

Rapidamente ele a abriu e vibrou com a quantidade de notas altas de dólares.

No ponto estratégico, os ecologistas iniciaram a ação de proteção. Deram as mãos, sacaram as correntes e cartazes...

Pamela ficou sozinha e, contrariando as ordens dadas pela mãe, pôs-se a procurá-la pela selva.

Enquanto se emaranhava pelas plantas, o pajé, ao fundo, a observava.

Eis que de repente começou um conflito. Madeireiros armados, policiais e, até mesmo indígenas, atacaram os ambientalistas.

Pegos de surpresa, correram.

Longe da confusão, Pamela caminhava.

Mais distante ainda, os pais dela discutiam.

- Você está nos traindo!
- Com esse dinheiro vamos ter uma vida de rei!
- Que vida teremos se a floresta sumir? Não haverá vida, e você sabe disso!
- Até isso acontecer eu já estarei morto!
- Mas não a sua filha! E quem sabe, netos!
- Pro inferno, mulher! Junte suas coisas e vamos voltar para a América.
- Não! Vim lutar por um ideal e não vai ser você, um mostro, que vai me impedir!
- Cale a boca! – e um soco na nuca.

Caída ao chão, o marido a arrastou pelos cabelos.

- Venha, sua puta. Vamos sair daqui logo antes que nos descubram!
- Es-espera... e... Pam?

Pamela estava cansada e resolveu parar para respirar. Colocou o corpo em algo e assim sentiu um frio ao encostar.

Olhou para trás, viu uma coisa grande. Amarela. Soltando fumaça.

- Sai daí, pirralha!

O homem e um trator, prestes a derrubar o que vinha pela frente.

A menina correu, sendo caçada pela máquina que destruía tudo.

Ela gritava, chorava, clamava a mãe, mas não parava de correr.

Os pais dela voltaram a discutir até serem abordados por policiais.

Quando eles viram que atrás do casal, oito índios armados também se aproximavam, começaram a atirar.

Pamela se escondeu atrás de uma gigantesca árvore: era a mesma contada pela sua mãe, horas antes.

O jatobá de Martius.

Sua cabeça começou a doer.

Ela alertou ao homem que não sairia dali; que o trator deveria parar.

Ele ignorou as palavras da menina e tentou derrubar a árvore.

Pamela caiu no chão e um galho a acertou na testa, causando um grave ferimento.

A senhora Isley caiu no chão, ao receber uma bala certeira no coração.

Os dois corpos chegaram ao mesmo tempo em um dos abrigos montados pelos ecologistas.

A cena era desoladora.

Adultos, crianças.

Mortos.

Árvores destroçadas. Corpos mutilados.

Policiais, índios, madeireiros... Todos mortos.

Não havia mais a guerra sangrenta.

A imprensa havia sido comprada e nada registrou...

Quando viram a real situação, no que um protesto havia se tornado, todos os envolvidos, de ambas as partes, se convenceram da loucura que acabara de acontecer.

O senhor Isley, para tirar proveito da situação e não ser taxado de traidor, correu ao corpo da mulher e começou a chorar.

Todos lamentaram e abaixaram a cabeça, para rezar ou demonstrar respeito.

As palavras de saudade e homenagens convenciam quem estava lá.

Pamela se levantou e, tonta, se aproximou dos pais.

Ao ver a mãe morta, com o corpo ensanguentado, encarou o pai com ira. E antes que pudesse dizer algo, mais uma vez seu pai tratou de aproveitar o momento.

Sem largar a maleta, claro.

- Sua garota estúpida! Sua mãe morreu por sua causa! Onde você estava? Está vendo – e pegou a cabeça de Pamela, forçando para que ela visse a mãe morta – Ela morreu porque estava procurando você! Está satisfeita agora? Era isso o que você queria? Ela está MORTA! E a culpa é SUA! Sua infeliz, desgraçada! Arruinou minha vida...!

A Pamela restou chorar. E pedir a Deus para voltar no tempo.

Ou para que Deus trocasse a pessoa que recebera o disparo fatal...
Compartilhe este artigo: :

+ comentários + 1 comentários

30 de junho de 2010 às 23:29

Cara... muito tocante essa história... Quero ver no que isso vai dar...

Postar um comentário

 
Support : Creating Website | Johny Template | Mas Template
Copyright © 2013. UNF - Todos os direitos reservados.
Template Created by Creating Website Published by Mas Template
Proudly powered by Blogger