Ultimate UNF: Hera Venenosa #2
Ah, a infância...! Momento de descobertas e de formação de personalidade... Acompanhe mais uma forte edição da vida de Hera Venenosa, a mais letal cidadã de Gotham City!
Hera Venenosa #2
Primavera
Por Pedro Caldeira
Colégio San Thomas, Seattle
Os saltos batiam no piso frio e anunciavam a chegada – rápida e desesperada – de alguém. Os corredores longos e vazios – ao menos nessa hora do dia – causavam uma ilusão de calma.
Respiração ofegante, braço apertando a bolsa ao lado esquerdo do corpo. Ao virar a última à direita, como indicado por um funcionário, uma cena triste, jamais imaginada por uma mãe: a filha sentada no banco de madeira, com um filete de sangue escorrendo pelo nariz.
Os olhos molhados podiam ser vistos mesmo com aquela cabeça abaixada, mirando o nada. A mãe não sabe se sente raiva, preocupação, alívio... Na porta em madeira, com um bloco de vidro esfumaçado, tinha escrito “diretoria”. Ao ser aberta, uma voz grave, mas feminina, ordena:
- Entre, senhora Isley.
Com aquele olhar tal qual um fuzil em ação, a mãe encara a filha; olhar esse que significa uma única coisa: estou muito decepcionada com você.
Enfim, a mãe adentra. Sentada ao outro banco, no lado oposto do corredor e da filha, estava Sarah.
Cúmplice? Culpada? Vítima?
O olhar da filha seguia perdido, como se contasse quantas linhas existiam naquele emaranhado de azulejos daquele corredor.
Na sala da diretora, água e café para ambas à mesa.
- Senhora Isley, há tempos já vinha demonstrando minha preocupação com a sua filha.
- Em que sentido?
- Ela é solitária, não interage com os colegas...
- O que há de errado nisso?
- Nada, senhora Isley. Mas isso não é bom para o desenvolvimento de uma criança. Ser anti-social...
- Ela é ignorada pelos alunos daqui, diretora.
- Tentamos diversas atividades em grupo...
- Por que o nariz da minha filha está sangrando?
- Bom... – a diretora se aproxima – Parece que Pamela andou espalhando mentiras sobre uma colega.
- Não foi a senhora mesmo quem disse que ela não fala nada, com ninguém?
A diretora ergue a sobrancelha e retira uma pasta da gaveta. Enquanto isso, a senhora Isley olha a sala, decorada por livros, troféus, diplomas...
- Veja isto. – e mostra um desenho – Em todos os desenhos dela tem apenas você e ela. Nunca o pai. Está acontecendo algo em casa? Pode estar refletindo na vida de Pamela.
Não é hora para recordações...
- O... pai dela.. é... meio... ausente.
- Pode conversar comigo, senhora Isley. Posso ajudar.
A tentação.
A negação.
- Não se preocupe. Só que ainda não me respondeu o que houve com a minha filha.
- Bom, os outros colegas instigaram as duas para uma briga. Sarah, maior e mais... digamos, forte, teve mais vantagem.
- Minha filha brigou na escola? Não acredito!
- Quando soubemos já era tarde...
A senhora Isley coça a testa e mexe nos cabelos longos, demonstrando ansiedade.
- Sua filha é muito criticada pelos alunos. Não sei se por ela já usar óculos de grau tão elevado, ou se pelas roupas diferentes da maioria...
- Não entendo...
- Entenda, não estou dizendo que sua filha seja anormal ou coisa parecida, apenas acredito que se ela passar a se vestir de outra forma, ou entrar em algum curso extra até mesmo para se sociabilizar...
- Espera! Chega de insinuações, diretora. Pamela não é diferente, apenas é solitária. Qual o pecado nisso? Eu fui assim e nem por isso deixei de viver, de me formar, casar, ter uma família, uma vida... normal.
- Você quer que sua filha passe pelas mesmas situações humilhantes que você?
- De jeito nenhum.
A sirene de fim de aula dispara.
- Gostaria de conversar com a senhora outra vez. Seria possível?
-Sim... – responde a mãe, incrédula.
- A secretária vai entrar em contato em breve, senhora Isley. Agora, leve sua filha para casa.
A despedida.
No corredor, a senhora Isley alisa a cabeça de Pamela. Olha para o lado e vê Sarah, que lhe dá língua.
“E minha filha é quem tem problemas...”, pensa, enquanto caminha de mãos dadas pelos corredores, em meio àquela confusão de alunos felizes por mais um retorno à casa.
Até o carro... em silêncio. Nem uma palavra trocada.
Na metade do caminho até a casa...
- Pam, minha filha... uma briga?
- Desculpa, mamãe.
- Você sabe que brigar não resolve. Quando isso acontecer, se afaste e procure um adulto. Conte para ele o que está acontecendo e tudo vai se resolver.
Pelo retrovisor, a senhora Isley vê Pamela lhe mandando um beijo. Sorrisos
- Quando chegarmos em casa vou entregar seu presente de aniversário.
- É o que?
- Em casa você vai ver!
- Tem festa?
- Sim. Chamei seus amiguinhos, viu?
- Sarah também?
- Ela não é sua amiga. Mas olha, vai ter bolo, balões, refrigerantes...
Quando o carro parou na frente da casa, Pamela saltou como um raio e entrou, largando os pertences pelos cômodos.
- Onde que tá, mamãe?
- Calma, filha! – grita a mãe, juntando a bagunça.
Pamela volta para a sala e encontra a mãe com os braços escondidos atrás das costas.
- É um cachorro?
- Cachorro?
- Eu queria um cachorro.
- Olha... seu presente! – e entrega um embrulho.
- O que é, mamãe?
- Abre com cuidado.
Cuidado não existe muito em crianças de – agora – seis anos.
A mãe auxilia na abertura e o papel colorido e brilhante cai no chão.
- Não é um cachorro! O que é isso, mamãe?
- Isso, Pam, é uma planta.
- Uma planta?
- É, tipo uma árvore.
- Mas eu queria um cachorro.
- Vem cá. – a senhora Isley senta Pam no colo e segura o presente – Isso é um cacto muito raro.
- Cacto?
- Sim, uma planta.
- Mas não tem flor, mamãe.
- Por isso esse cacto é especial. Especial como você. Ele tem flor, mas a flor só aparece se você cuidar muito bem dele.
- E meu cachorro?
- Pamela... um cachorro dá muito trabalho. Não sei se seu pai gostaria de ter um cachorro em casa.
- E onde tá papai?
- Deve estar trabalhando.
Curiosidade. Isso sim é muito comum para uma criança de seis anos ter.
Ao mexer na planta, um espinho furou o dedo da criança e ficou preso. Choro.
- Pronto, meu amor, mamãe já tirou, viu?
- Essa planta é feia!
- Cuide dela e vai ver como a flor vai nascer bonita...!
E no domingo, a festinha de aniversário. Decoração com peças recicladas, mas a comida e a bebida eram propositalmente as que as crianças gostam – e exageram.
Sentada, Pam olha de cara feia para o cacto. A senhora Isley termina de arrumar a mesa.
- Onde tá papai, mamãe?
- Ele está trabalhando, meu amor.
- Saudade dele.
- Ele vem, viu?
O tempo foi passando.
A companhia não tocava.
Pamela brincava com alguns balões. A mãe olhava através da janela.
- Tô com fome, mamãe.
- Não quer esperar um pouco mais? Aí a gente canta “parabéns pra você”.
- Tá bom.
Um barulho de estouro. Choro. Um balão caiu no cacto e explodiu. A senhora Isley já acalmava a filha.
Enfim, a companhia tocou.
- Vai abrir, minha filha!
Correndo, a menina, empolgada com o aniversario, chegou à porta. Uma mulher e um menino do lado de fora.
- Pode entrar! – disse Pamela.
O menino entrou com um presente e Pamela o seguiu. A senhora Isley foi até a porta.
- Chegamos muito cedo?
- Não, não! Não se preocupe.
- Bom, em duas horas volto para buscá-lo.
A porta se fechou. A senhora Isley olhou para a sala enfeitada e vazia. E pôs-se a chorar.
Ela não entendia o motivo de não terem ido ao aniversario de sua filha.
Pamela e o menino – Tom – estavam sentados, comendo. Restou à mãe se juntar a eles.
- Vem mais gente?
- Sim! Quem quer mais refrigerante?
- Onde que tá meu presente?
- Pam, não fale assim!
Tom entrega um pacote e a ajuda a abrir...
Uma boneca.
- Mamãe disse que parecia com você...
E era verdade. Cabelos avermelhados, olhos verdes e pintinhas pela face.
- ...mas eu não acho porque ela não tem óculos. – conclui Tom.
- Minha mãe me deu um cacto!
- Um cacto? Que é isso?
A senhora Isley acendeu a vela e chamou os dois para os “Parabéns”.
Enquanto tirava fotos, chorava. Chorava por ninguém ter vindo. Principalmente, pelo pai da aniversariante não estar presente.
Pam assoprou a vela gritando que ia fazer um pedido.
Os três comeram bolo sentados no sofá, vendo desenho animado. E então a companhia tocou. A senhora Isley abriu e a mãe de Tom estava lá.
- Cheguei muito tarde?
Com um ar irônico – ou seria sem graça? – a senhora Isley entregou um pedaço de bolo, outras guloseimas e uma lembrancinha: um folheto sobre reciclagem. Se despediram, agradeceram e saíram.
Ainda no sofá, Pam deitava.
- Gostou da festinha, meu amor?
- Gostei. Mas papai não veio e eu não ganhei um cachorro...
- Mas ganhou um cacto! E uma boneca linda!
- Te amo, mamãe!
- Também te amo, filha. Agora vamos escovar os dentes, tomar banho e dormir!
- Não quero, mamãe.
- Vai sim! Filha, – pergunta enquanto sobem a escada – o que você pediu quando apagou a vela?
- Pode falar?
- Só pode contar para quem você ama e confia.
- Tá, mamãe. Pedi para eu ser forte como Sarah para poder proteger você quando papai te bater.
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+ comentários + 3 comentários
Uia...muito bom, Caldeira... gostei da pequena Pamela... vou direto pro proximo capitulo!
Caramba que vida essa Pamela tem ein? Poxa vida, ótimo!
mwhaha! adiantem o lado e leiam as outras...
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