Ainda buscando respostas na Austrália, Lara Croft e Ogumbyí seguem os rastros da Gaivota, até chegarem às surpresas do Vale Celeste!
Capítulo 03: O Vale Celeste
Austrália
Já era noite. O tempo passou rápido desde que Lara e Ogumbyí deixaram aquela espécie de caverna ao desvendarem o enigma, a lenda, da cobra e da tartaruga. Graças a tamanha experiência e conhecimento, não foi algo complicado de ser resolvido. Como resultado, a dica para onde seguir.
Mas quem garante que é a pista certa? E como os agressores do Reino de Oyó seguem o rumo certo? O Oxê de Xangô cede para proteger a princesa Adún? Seria acaso? Acidente?
- Quem não acredita chama de coincidência, Lara.
- As pessoas estão carentes de fé, Ogumbyí.
- Ou tem fé em demasia, a ponto de recriminar ou de negar outros credos.
- Intrigante como, em nossa época, ainda exista preconceito.
- Materialismo excessivo, minha amiga.
Os dois caminham olhando ao horizonte. Um belo céu escuro, estrelado. Silencioso. Brisa suave.
- O que aquela gaivota significa, Lara?
- Estou esperando a Base me responder.
- Não prefere buscar com seus próprios olhos?
- Sinceramente? Não. Ele é pago para isso. Além do mais, não é todo dia que tenho esse horizonte...
Novamente os dois apreciam o céu, a terra.
- Como estará a princesa, Ogumbyí?
- Ifá me sopra que ela está segura. Aqueles criminosos não farão nada com ela.
- Eu sei. Só que ainda não compreendo quem estaria por trás dessa ação. A Base ainda não comunicou nada a respeito de buscas sobre o Machado.
- Informações raras são valiosas, Lara. Acredito, porém, que o conhecimento sobre o poder do Oxê e a localização exata dele, além da melhor oportunidade para obtê-lo, foram dadas por fontes muito seguras.
- Suspeita de traição?
- Suspeito de muito estudo. E de muita informação.
Agora os dois sentam no solo antes ardente. Lara entrega algo enrolado em papel alumínio. Comida.
- Precisamos de energia, Ogumbyí. Algo me diz que nossa noite vai ser bem agitada.
- Você é sensitiva, Lara? Já te falaram algo sobre isso?
- Na verdade eu costumo imaginar como serão ou podem ser as coisas, as situações. Gosto de me imaginar fazendo algo louco por dois motivos: treinar, para quando isso realmente acontecer; ou para me sentir viva, sentir o arrepio e a adrenalina, sabe?
- Compreendo. Já se imaginou casando?
Lara dá uma gargalhada.
- É verdade, minha amiga. Compartilhar a vida com alguém é sempre... digamos... excitante. Você pode imaginar como uma espécie de treinamento, para quando acontecer... ou poder imaginar para se sentir viva. O amor é mais intenso do que adrenalina. Ele leva altas doses disso, e de muito mais.
- Nunca pensei por esse lado.
- Devia ser menos independente.
- Não me vejo casada.
- Ah, sim, se vê. A não ser que se imagine aos 60 anos, fugindo de criminosos, animais selvagens, pulando sobre espinhos, se balançando em barras...
Mais gargalhada.
- Você já teve alguém, Ogumbyí? Isso se você puder casar...?
- Por que não poderia? Não sou padre, Lara! Sou um guardião.
- Desculpa...
- Não por isso. Eu fui casado. Amei. Fui amado.
- O que aconteceu com ela?
- Ela morreu.
- Sinto muito.
- Não se preocupe. Não há mal que por bem não venha; essa é a maior verdade. Com meu luto pude me entregar totalmente ao Reino e a Xangô.
- Que bonito!
Palavras que introduziram o silêncio. Os olhares se voltaram ao céu; as estrelas quase iluminavam os rostos. A respiração era saudável e, sem sombra de dúvidas, naquelas mentes se passavam a mesma coisa: o amor. O ido e o que virá.
- Lara!
O PDA tira a dupla daquele êxtase.
- Sempre indelicado. Sabe que horas são aqui?
- Xi... Então, dei uma olhada no livro e descobri algumas coisas que podem ser úteis.
- O que está esperando?
- Você disse que uma gaivota surgiu depois que desvendou aquele problema lá da cobra, né?
- Exatamente.
- Aqui diz que há uma lenda... que Loa, depois de criar a terra, as plantas e os animais, mandou que uma gaivota voasse e tecesse, como verdadeira teia de aranha, a abóboda celeste.
- Intrigante.
- Sim, e tem mais. De acordo com essas crenças, o céu era bem próximo da terra, tão próximo que chegava a descansar nas folhas de certas plantas; por isso algumas folhas são achatadas. Mas ainda não acabou!
- Phillips, não me interessam, agora, as lendas. Preciso de uma direção.
- Teu amigo não pode ajudar?
- Não vou exigir nada dele. De você eu posso, afinal, te pago salário. Alto, por sinal.
- Calma, Lara. Deixe ele se voltar às lendas. Assim você pode extrair alguma coisa, como fez da outra vez. – interrompe Ogumbyí.
- Estou tensa, Ogumbyí. Há muita coisa em jogo e...
- Entendo perfeitamente. Mas mantenha a cabeça no lugar.
- Lara, você precisa chegar ao topo da montanha onde, teoricamente, está o ninho da gaivota que teceu a abóboda celeste.
- Uma direção...?
- Depois da separação do céu e da terra, o filho deles, Tano, se preocupou em vesti-los e enfeitá-los. Vendo que o céu, seu pai, se encontrava nu, começou por pintá-lo de vermelho. Não bastava; foi, então, buscar estrelas à Esteira de Espanto e à Esteira do Suporte Sagrado. Colocou as estrelas no céu; de dia, nenhum efeito causavam, mas de noite o céu tornava-se soberbo.
Novamente aquele silêncio. Ogumbyí se afastou, Lara olhou pra cima. Do outro lado da linha de comunicação, Phillips chamava pela arqueóloga. Sem retorno.
- Nasce o dia do outro lado.
Aquele tom de voz, meio rouco, meio empostado, já significava algo para Lara: Ogumbyí estava em contato com Ifá.
- Phillips, busque novas pistas aí porque já sabemos para onde ir.
- Tá ok, fica na linha!
Lara começa a correr e puxa o companheiro pelo braço.
- Como o poente é o ponto do céu em que o sol para tocar o horizonte da terra ou do mar, representa, de algum modo, a intersecção do mundo celeste e do mundo inferior.
Tamanha astúcia intrigava o guardião...
Em meio à escuridão, eles apenas seguiam uma estrela mais forte, que teimava em se destacar naquele céu limpo.
- Quase me sinto um Rei Mago... – ria Lara, baixinho.
De repente eles de deparam em um novo terreno. Vales.
- Mas a gente não tava no outback...?
- Lara, me ouve?
- Muito mal!
- Olha, aqui ... que para ... chegar ... ninho, precisa... pelo... Vale Celeste.
- Vá falando!
- Vale Celeste... um mito que... os vales... cavados... enorme... que caiu... as pinças... a terra...
- Phillips! O que você quer dizer?
A comunicação caiu. Lara sacudia o aparelho enquanto Ogumbyí andava para trás, lentamente.
- Droga de conexão!
- Lara...
- Me dá um minuto, amigo.
- Lara, você não está entendendo...
- Preciso restabelecer o contato com a Base e...
- Não precisa. Eu já decifrei o que ele quis dizer.
- Como assim? Você leu a mente dele ou algo assim?
- Não. Apenas deduzi. Olhe para lá. – e aponta.
O peito de Lara se enche. De ar. De emoção. De tudo o que ela tava querendo.
O que Phillips disse foi exatamente isso: um mito que revela que os vales foram cavados por um enorme caranguejo que caiu do céu, e com as pinças revolveu a terra.
E lá estava o crustáceo gigante de cor escura, sujo de terra batida, da altura de um prédio de cinco andares.
- Não quero que você se machuque, então, deixe o serviço comigo.
- Mas posso servir para algo! Talvez eu possa ser a isca.
- Não, Ogumbyí.
Era tarde. O guardião já corria pelos vales, chamando a atenção do caranguejo, segurando ramos de cores vistosas, balançando-os de um lado para o outro, além de emitir um barulho estranho, que tremia pelas cordas vocais.
Por reflexo – ou costume – Lara saca as duas pistolas, abre um largo sorriso e corre na direção do novo amigo.
Ogumbyí admirava, espantado, tamanho animal, que cavava, destruindo tudo à sua volta. Lara, ainda correndo, gira as armas já empunhadas.
- Procure um lugar seguro! – grita.
Ao se aproximar do caranguejo, Lara passou a disparar seguidamente contra o crustáceo. Nas pernas e no dorso.
Mas era como se não surtisse efeito. Como se aquele corpo fosse protegido por uma carapuça muito resistente.
Numa atitude reflexiva, Lara passou por debaixo do caranguejo, e após deslizar e se posicionar sob a boca do inimigo, mirou para cima e atirou novamente. Em resposta, o animal tornou-se mais feroz e, se movimentando rapidamente para o lado esquerdo, fez com que a arqueóloga recebesse uma grande quantidade de terra, que fora praticamente arrancada do solo por uma daquelas patas.
Rolando, Lara se afastou do bicho e expirou profundamente. Para seu desespero, Ogumbyí permanecia estático, ainda no mesmo lugar, olhando para aquele... monstro.
- Corra! – grita novamente.
As palavras da parceira pareciam não surtir efeito; e o caranguejo se aproximou de Ogumbyí e o prendeu com a pinça direita.
- Lara! – uma voz fraca – Socorro!
Em um pulo, Lara se levantou e passou a disparar novamente contra o caranguejo que, agora, se movimentava inconstantemente.
- Aguente firme! – e guardou as pistolas na cintura – Vou usar armamento pesado! – e sacou a escopeta.
Correndo em ziguezague, ela se aproximou novamente do caranguejo. O barulho revelava que a escopeta estava armada.
Um tiro em uma das patas.
O crustáceo quase tombou a ter uma parte do seu corpo destroçada. Ele tornou-se mais arisco, e passou a apertar mais ainda o corpo de Ogumbyí, que já demonstrava sinais de tontura e fraqueza.
Disparando outras vezes, agora em rochas presas a um monte. O plano deu certo. As pedras rolaram e atingiram o animal, assustando-o.
Assim ela aproveitou e correu para o monte, subiu alguns metros e se jogou para cima do caranguejo. Novos tiros. O crustáceo se debatia, mas não se feria gravemente.
Ogumbyí parecia estar desacordado. Lara caiu quando o bicho se debateu. Então, outra ideia.
Em pé, frente ao gigante, ela esperou ser pinçada. Quando o caranguejo a aproximou, Lara disparou duas vezes no olho direito. Certeiros. O olho praticamente ficou pendurado e as pinças se abriram. Ogumbyí caiu desfalecido e Lara, em pé, atirando novamente na boca do animal.
Aos poucos ele resistia; se entregava.
Mais balas.
Se batia nos montes, cavava desesperadamente, tentava se esconder em algum desses buracos.
Mas ele não conseguiu.
Sem se importar com o que acontecia com o crustáceo, Lara logo começou de cuidar de Ogumbyí. Pegou um pequeno kit-médico e tratou das feridas na cintura do amigo, abriu um pequenino frasco e o passou rente às narinas dele.
Em segundos Ogumbyí despertou, se refazendo.
- Lara... Apesar de tudo, foi maravilhoso... Obrigado por me salvar... outra vez, minha amiga.
- Já disse que não precisa agradecer. Levante-se, preciso enfaixar sua cintura para que a cicatrização seja mais rápida.
- Para nossa sorte, mesmo sendo noite, estamos num ambiente claro... quase como se fosse dia.
- Aqui é mesmo o Vale Celeste, Ogumbyí.
- E o ninho da gaivota?
- Não deve estar muito distante.
- Como tem tanta certeza?
- Olhe o estrago que nosso colega fez. A maioria das tentativas de fuga dele está naquela montanha. Provavelmente, no topo dela está o ninho.
- E a princesa?
- Desculpa, amigo, mas acho que eles estão sempre um passo a frente da gente.
Ogumbyí veste a camisa e se apóia em Lara.
- Se quiser eu posso ir sozinha...
- Não. Tenho forças para a escalada.
- Pelo que parece vai ser bem mais tranquila do que a anterior. O caranguejo fez, inconscientemente, espécies de corrimãos.
A subida foi extasiante. A vista do horizonte impressionava. Lagos brotavam do seco entre os vales. O céu estava tomado por estrelas.
O topo.
No solo rachado, marcas que Lara deduziu serem mais antigas do que a própria história do continente.
Riscos, traços... posições.
- Isso é fantástico!
- O que, Lara?
- O que tem desenhado aqui nesse chão, é um mapa estelar. Olha para o desenho e olhe para o céu.
Ogumbyí o fez e também se encantou. Como se o céu e a terra fossem únicos. Um só.
- Lara! Me ouve?
- Phillips! Achamos o ninho!
- E a direção?
- Já identifiquei. Vamos ao Oceano Pacifico, em direção ao... Japão.
- Japão?
- Providencie transporte de resgate e uma boa embarcação.
- Ok, já tenho suas coordenadas. Até breve!
Novamente Lara e Ogumbyí voltam a contemplar o céu e a terra.
- O céu e a terra eram próximos... não foi isso que seu funcionário leu?
- Foi, amigo... Céu e terra unidos... – ela pega o PDA – E isso me lembra uma lenda que li aqui... Rangi, o céu, enamorou-se perdidamente por Papa, a terra. Por isso, procurou abordá-la quando ainda reinavam a escuridão e a imobilidade originais. O enlace de ambos de tal maneira comprimia os deuses a que haviam dado nascimento e todas as demais criaturas, que, por exemplo, nem uma só arvore conseguia desenvolver-se e, muito menos, cobrir-se de frutos. Para saírem da embaraçosa situação, os deuses resolveram separar o céu e a terra...
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