Diana Prince levava uma boa vida como escritora até o dia em que Ares, o deus da guerra, se liberta de sua prisão e fez Hipólita, rainha das amazonas, prisioneira. Cabe a Diana, rencarnação da filha de Hipólita a missão de salvá-la.
Universo Nova Frequência
Antigo Frequência DC, atual Ultimate UNF.
O Despertar – parte um.
Por Anderson Oliveira
Costa da Sarmácia, Ásia-Menor, 592 a.C.
Pés feridos são molhados pelas águas do mar Negro. Após inúmeras batalhas a rainha Hipólita se via frente à mais fria e amarga derrota. De joelhos perante o mar cálido e manso, uma lágrima corre por seu rosto marcado de guerreira. Seu arco, suas flechas, sua machadinha... tudo ela deixou pelo caminho da capital Temiscira até a praia. Não haverá mais guerras para ela e para suas amazonas.
Suas mãos acostumadas ao manuseio da espada agora esculpem na areia barrenta uma forma delicada e singela. Mas sua mente não prestava atenção no trabalho. Hipólita imaginava o exército persa de Ciro marchando rumo à Grécia. Imaginava a barbárie que esperava todo aquele povo. Foi o que eles pediram, quando recusaram sua ajuda, quando negaram seus antigos deuses.
Os helênicos esqueceram seus deuses. Não precisavam mais de mitos e magia. A filosofia agora explicava como o mundo funcionava. Logo deuses estrangeiros tomariam seus lugares. “Será como tiver de ser”, alguém lhe disse certa vez. Sua lágrima caiu na figura recém esculpida. Um bebê. Hipólita escupiu uma filha que nunca pôde ter. Agora que não haveria mais batalhas, ela queria ser apenas uma mulher. Uma mãe.
E como se fosse um último milagre dos deuses, o bebê de barro se tornou de carne. Seu choro puro pareceu fazer silenciar o barulho do mar. Hipólita derramou novas lágrimas, estas de alegria, mesmo sabendo que terá pouco tempo para ficar ao lado de sua filha.
— Filha. — disse uma voz forte como um trovão e ao mesmo tempo calma como de um velho e amado pai. E na presença de Hipólita surgiu Zeus, o rei dos deuses. — É hora de irmos.
Hipólita não respondeu. Apenas pegou seu bebê feito do barro nos braços e caminhou para junto de Zeus. Por suas conquistas ela, as amazonas e outros heróis ganharam a dádiva de compartilhar o destino dos deuses. O destino de viverem como mortais, geração após geração, por muitas vidas. Nascendo e morrendo até o fim dos dias.
Mas não são todos os deuses que aceitaram essa sina de livre vontade. Ares, o senhor da guerra, se recusou a ser um mero mortal. Então foi necessário trancá-lo em um calabouço selado em Temiscira, que daquele dia em diante seria uma terra apartada do mundo, onde só Hipólita e suas amazonas poderiam entrar. Nem os deuses a encontrarão, pois o mesmo encanto que os tornarão mortais também fará que se esqueçam de sua natureza divina. Apenas a rainha amazona, guardiã da prisão de Ares, saberia toda a verdade. E por isso seu fardo era maior do que de todos.
E por isso sua lágrima é tão amarga.
Chicago, EUA, dias atuais.
— Esta noite entrevistarei a escritora Best Seller do The New York Times, Diana Prince, autora de “Mulheres Maravilhosas, de Hipólita a Madre Teresa”. Ela nos contará sobre seu trabalho e sua vida. Então não percam, esta noite no--
A voz do apresentador é interrompida quando a TV é desligada. O homem jogado no sofá que assistia ao show olha incrédulo para a pessoa que segura o controle remoto.
— O que foi, amor? — pergunta o homem coçando a cabeça.
— Nada Steve, só que já vi essa entrevista várias vezes. Fiquei horrível nela. — diz uma linda morena, de longos cabelos pretos, olhos azuis e pele clara. Cerca de 25 anos, um corpo invejável, sentada em uma escrivaninha bagunçada com um notebook a sua frente.
— Impossível você ficar horrível, Diana. — o homem chamado Steve Trevor, de físico atlético, cabelos loiros cortados no estilo militar e sorriso maroto se levanta e vai até a escrivaninha onde Diana escreve o esboço de seu mais novo livro. “E por isso sua lágrima é tão amarga.” é a última frase escrita na tela. — Resolveu escrever ficção agora?
— Não sei... é só uma ideia que me passou pela cabeça. De uns dias pra cá venho tido muitas ideias sobre a saga de Hipólita. — ela não diz, mas o que chama de ideias na verdade são sonhos e visões. Sempre teve essas visões, desde pequena mas nunca falou nada com ninguém. Tais vislumbres de um mundo antigo a motivaram a escrever seus livros, sempre abordando as grandes mulheres da história e da mitologia. Diana salva o arquivo em que trabalhava e fecha o notebook. — Estou cansada. Acho que vou pra cama agora.
— Isso é um convite? — Steve sorri maliciosamente. Diana aproxima seus lábios carnudos e vermelhos aos dele e responde em um sussurro:
— Pode apostar. — e o agarrando em um provocante beijo ela o arrasta para seu quarto. Seus sapatos ficam pelo corredor, assim como a camisa de Steve. A noite será intensa para o casal.
Cidade de Ünye, Turquia.
A velha igreja católica quase passa despercebida dos turistas que visitam a cidade em busca das belas praias banhadas pelo Mar Negro. Dentro do templo, uma abadessa cuida para que as velas dos castiçais estejam todas acesas. Uma por uma ela as acende até que a mulher completa uma volta inteira na nave. A abadessa olha ao redor, para toda a imensidão de vazio e calmaria que ecoa da igreja. Ela respira fundo, pega uma das velas que acendeu e desde cautelosamente pela escadaria que leva ao mausoléu.
Seu rosto encoberto pelo véu parece fazer movimentos monstruosos à sombra da fraca luz. Porém é o corredor ao seu redor que se move. Como num encanto, a igreja deu lugar a um outro tipo de templo, mais antigo e mais sagrado. Colunas ao estilo grego preservadas do tempo, mas escurecidas pelo ambiente mórbido. Sob um piso de cascalho a abadessa começa a andar com maior firmeza, trocando a fraca vela por uma tocha deixada junto à parede.
Mais alguns passos e ela chega ao que parece ser uma prisão. Portas de ferro nos dois flancos do corredor. Um barulho começa a se fazer ouvir. O som seco de algo batendo no ferro envelhecido. Acendendo outras tochas pelo caminho, a abadessa chega na origem do incômodo som.
— Por incontáveis séculos, sem parar um só dia, você vem batendo com seu punho nu nessa porta forjada por Hefesto e selada por Zeus. — a mulher descobre sua cabeça relevando sua face. A face de Hipólita, mudada por incontáveis encarnações, mais feminina e menos guerreira, mas ainda majestosa. — Ares, acha que irá mesmo se libertar?
— Incontáveis séculos, Hipólita, minha filha. — responde o prisioneiro através da porta. — Dia após dia. Ainda que minha mão se desfaça em sangue até eu adormecer de cansaço e exaustão. Mas quando desperto ela está curada, como o fígado de Prometeu devorado pela águia dia após dia. Um dia, este ferro divino há de ceder frente a minha força divina.
— Quando esse dia chegar, eu estarei aqui.
— Certa como sempre, Hipólita. — diz Ares dando um último soco. E para o temor de Hipólita, a porta cai diante de si.
— Impossível! — o olhar de Hipólita é tomado por pavor nunca antes visto ao passo que a chama das tochas treme como sinal de mal agouro.
— Não, não é. — diz o deus da guerra cruzando o portão, saindo das trevas de seu cárcere. O sangue minando de sua mão. Seus cabelos negros e dentes amarelos.
Hipólita recua um passo. A tocha treme em sua mão. Seu primeiro instinto é buscar em sua cintura sua espada, mas ela sabe que não vai encontrá-la.
— Devolva-me, Hipólita.
— Devolver o quê?
— O cinturão. O cinturão mágico que eu te dei, que foi motivo de cobiça de Hércules. Sei que o recuperou.
— Não há cinturão... — Hipólita continua recuando, pensando consigo mesma que Ares jamais poderá se apossar daquele cinturão novamente.
— Não minta para seu pai.
— Você não é meu pai, maldito! — Hipólita lança a tocha contra o rosto do deus. Ele se contorce com a dor. Hipólita corre.
A rainha encontra uma escada espiralada. Antes mesmo que pudesse subir até ver a luz do dia ouve Ares em seu encalço. Não se abatendo por isso, Hipólita chega até uma sala dourada e iluminada, apesar dos sinais de abandono. Seu palácio em Temiscira. De uma estátua de sua irmã Pentesiléia ela tira uma espada de bronze. Se voltando, vê Ares entrando no recinto, com a barba chamuscada pelas chamas.
— Todos irão pagar caro por isso! — brada o deus, partindo para cima da mulher, a enfrentando com as mãos nuas. — Zeus e os outros deuses. Eu irei matar todos! — Hipólita o golpeia, mas ele parece não se importar com os ferimentos. Como resposta lhe desfere fortes socos, levando a amazona ao chão enquanto diz: — Onde estão eles, Hipólita? Vivem como mortais, não sabem que são as encarnações dos poderosos olimpianos. Você irá me dizer onde estão.
— Nunca direi. — um filite de sangue escorre pela boca de Hipólita que desfere um olhar mortiço contra o senhor da guerra.
— Dirá sim. Por tudo que ainda é sagrado nesse novo mundo, juro que me dirá. — Ares a pega pelo pescoço e a ergue do chão. — E a chave para isso é o cinturão. — Ares, com a outra mão, rasga o hábito de abadessa que Hipólita veste e vê que o cinturão que tanto procura sempre esteve com ela. Feito de ouro, aparentemente sem fechos ou emendas. Ares leva sua mão até o objeto, mas se assombra quando o mesmo se desfaz em pó ao seu toque. — Maldição! É falso!! — e tomado pela ira joga a mulher contra a parede.
— S-sim... — diz Hipólita com o rosto rente ao chão. — O verdadeiro... não está... mais em Temíscira.
— Hmmm... não importa. — Ares diz resignado, para a surpresa de Hipólita que se esforça para se levantar. — Acabarei com os deuses mesmo sem o cinturão. Nem que para isso tenha que exterminar cada ser humano vivo no mundo. Quem sabe alguns deles sejam Zeus e os outros. A menos que você me diga quem são eles e poupe o derramamento de sangue. O que me diz, filha?
Silêncio. Um silêncio apenas cortado pelo som das gotas de sangue caindo sobre o chão de mármore. Hipólita sabe que não pode confiar em Ares. Ele não poupará vidas inocentes. Mesmo que sacie sua vingança e acabe com os deuses, seu próximo passo será mergulhar o mundo em uma guerra sem limites. Mas, pelo menos, ela pode ganhar tempo. Tempo suficiente para sua filha vir lhe salvar.
— Está bem... — diz Hipólita olhando para Ares. — Lhe mostrarei onde estão os deuses.
— Eu sabia que tinha juízo, minha filha. — Ares vira as costas, deixando aquele recinto sagrado. — Deixarei que descanse. Logo sairemos desse lugar para começar nossa jornada.
— Uma jornada curta, espero. — diz Hipólita de modo que Ares não ouça. E então do fundo do peito ela tira um encantamento que há muito tempo não proferia e mentaliza a imagem de sua filha Diana, esculpida do barro, que teve a vida soprada por Hipólita. A rainha invoca sua filha, que recebeu dons especiais dos deuses para serem usados em momentos como esse. — Diana... minha filha... Desperte.
“Desperte”
“DESPERTE!”
— Aaaahhhh!! — Diana Prince levanta de sua cama, ofegante e suando frio, como se acordasse de um pesadelo. Em sua mente centenas de imagens outrora tidas como imaginação de uma escritora ganham forma como memórias de toda uma vida. Vidas, talvez. Ao lado, um sonolento Steve Trevor agora assustado com o grito da namorada.
— O que houve, amor? — ele diz.
— Grande Hera! Finalmente eu despertei. — diz Diana de um jeito vago, como se falasse com alguém dentro de sua cabeça. Em verdade tinha mesmo acordado de um longo pesadelo. Depois ela salta da cama e pega suas roupas dizendo: — Levante-se, Steve. Temos que salvar a minha mãe.
— Sua mãe? Mas ela morreu há mais de dez anos! — Steve veste suas calças.
— Não minha genitora desta encarnação, mas minha mãe real, que me fez do barro, a rainha Hipólita.
— Hipólita? Ah, amor... você está passando bem? Hipólita é a personagem do seu romance que--
— Argh, homens! Atena, me dê paciência! Steve, meu amado, é uma longa história e eu te contarei tudo no caminho. — Diana veste seu casaco e pega sua bolsa.
— Caminho? Caminho pra onde?
— Primeiramente preciso buscar o cinturão e o laço, que escondi na última vez que despertei, durante a segunda guerra. Depois iremos para Temiscira, onde Ares deve ter se libertado e de alguma forma mantém minha mãe sob custódia.
— Acho que sou eu que não estou passando bem. Vou voltar a dormir. — porém antes que Steve deitasse novamente Diana o segurou pelo pescoço e o prensou contra a parede, erguendo-o.
— Escute bem, Steve Trevor. Você irá me ajudar a salvar minha mãe ou então dirá adeus ao órgão pulsante que há entre suas pernas! — com um olhar de espanto e um abanar de cabeça Steve simplesmente respondeu.
— Então tá!
— Ótimo. — responde Diana o soltando. — Seria um desperdício acabar com um divertimento tão bom. Agora vamos, preciso de seu avião. Temos de ir para Washington.
“Como te disse antes, te explicarei tudo no caminho”, ouvimos Diana dizer enquanto um avião monomotor sobrevoa a costa leste americana tendo saído de Chicago horas antes. Enquanto Steve pilota o velho aeroplano que herdou de seu pai, ouve incrédulo o relato de Diana:
“Frente ao novo mundo que se deslindava diante deles, os deuses do Olimpo, antes que fossem completamente esquecidos pelos homens, resolveram abandonar seus cultos e tradições e viver entre os mortais em ciclos de vidas humanas. Nós, as amazonas, tivemos a honra de compartilhar do mesmo destino. Espalhadas pelo mundo, vivemos vidas normais, com almas eternas em corpos passageiros sem nunca sabermos quem somos. Menos minha mãe.
Sendo a rainha de Temiscira, Hipólita é a única que sabe, sempre que nasce num novo corpo, que é quem é. Isso porque tem uma missão: vigiar Ares, o deus da guerra, que por ter se recusado a abdicar de sua divindade e levar uma vida humana, foi preso pelo próprio Zeus na cidade sagrada. Quando precisa de ajuda, minha mãe usa um encantamento para me despertar. A primeira vez que isso aconteceu foi em 257 a.C., quando fui treinada e instruída em todas artes das amazonas.
Tenho agora as lembranças de todas as minhas vidas. É como se eu estivesse assistindo um filme o tempo todo, através dos meus olhos, mas sem poder controlar meus atos. Na última vez que vi minha mãe ela disse que só me despertaria de novo se Ares se libertasse. Ela temia no fundo do coração que isso acontecesse. Então ela me deu seu cinturão mágico e outras armas mitológicas e me mandou escondê-las até dela mesma.
Se eu despertei, então Ares está a solta.”
— Ok, ok... — suspira Steve. — É simples de entender... mas difícil de acreditar.
— Entendo. Essa sociedade moderna com tanta tecnologia, programas de TV e tantas outras coisas banais tornaram essa geração pateticamente idiota. Fora essa religião monoteísta que--
— Tudo bem, princesa. Não precisa esculachar. Já estamos chegando.
Diana vê a capital estadunidense do alto quando a noite já se acentua. Ao longe o Capitólio se destaca. Steve avisa que não pode chegar mais perto sem autorização do governo. Diana faz um gesto de desaprovação, mas consente. Minutos depois o monomotor aterriza no Aeroporto Ronald Reagan.
— Táxi! — Diana, já na avenida George Washington Memorial entra no Táxi com Steve a seguindo confuso.
— Espero que depois disso você escreva um best seller que nos deixe milionários!
— Para o Memorial Thomas Jefferson! — Diana diz ao taxista. E pois mais alguns minutos Steve continua completamente confuso.
Ao chegarem no memorial, Diana não faz questão do edifício e se dirige ao lago a sua frente. Steve chega logo atrás só em tempo de vê-la mergulhar na água turva.
— Deus do céu!! Ela está mais doida do que pensei!! — Steve fica um instante imóvel, catatônico, mas depois corre em direção ao lago, onde os seguranças e outros curiosos começam a se aglomerar. — Diana! Diana!! — De repente um corpo emerge do lago e alça voo sobre as cabeças de todos. Steve não crê no que seus olhos veem.
Diana, vestindo um traje preto com brilhantes como estrelas, com um cinto e um peitoral dourados, braceletes prateados, botas pretas, um laço cintilante pela mão e um diadema de ouro na cabeça com uma estrela vermelha do meio, plana num voo livre, supremo e divino. Do alto, ela encontra o rosto de Steve mo meio da multidão maravilhada.
— Vamos. Temos trabalho a fazer.
Continua...
Antigo Frequência DC, atual Ultimate UNF.
O Despertar – parte um.
Por Anderson Oliveira
Costa da Sarmácia, Ásia-Menor, 592 a.C.
Pés feridos são molhados pelas águas do mar Negro. Após inúmeras batalhas a rainha Hipólita se via frente à mais fria e amarga derrota. De joelhos perante o mar cálido e manso, uma lágrima corre por seu rosto marcado de guerreira. Seu arco, suas flechas, sua machadinha... tudo ela deixou pelo caminho da capital Temiscira até a praia. Não haverá mais guerras para ela e para suas amazonas.
Suas mãos acostumadas ao manuseio da espada agora esculpem na areia barrenta uma forma delicada e singela. Mas sua mente não prestava atenção no trabalho. Hipólita imaginava o exército persa de Ciro marchando rumo à Grécia. Imaginava a barbárie que esperava todo aquele povo. Foi o que eles pediram, quando recusaram sua ajuda, quando negaram seus antigos deuses.
Os helênicos esqueceram seus deuses. Não precisavam mais de mitos e magia. A filosofia agora explicava como o mundo funcionava. Logo deuses estrangeiros tomariam seus lugares. “Será como tiver de ser”, alguém lhe disse certa vez. Sua lágrima caiu na figura recém esculpida. Um bebê. Hipólita escupiu uma filha que nunca pôde ter. Agora que não haveria mais batalhas, ela queria ser apenas uma mulher. Uma mãe.
E como se fosse um último milagre dos deuses, o bebê de barro se tornou de carne. Seu choro puro pareceu fazer silenciar o barulho do mar. Hipólita derramou novas lágrimas, estas de alegria, mesmo sabendo que terá pouco tempo para ficar ao lado de sua filha.
— Filha. — disse uma voz forte como um trovão e ao mesmo tempo calma como de um velho e amado pai. E na presença de Hipólita surgiu Zeus, o rei dos deuses. — É hora de irmos.
Hipólita não respondeu. Apenas pegou seu bebê feito do barro nos braços e caminhou para junto de Zeus. Por suas conquistas ela, as amazonas e outros heróis ganharam a dádiva de compartilhar o destino dos deuses. O destino de viverem como mortais, geração após geração, por muitas vidas. Nascendo e morrendo até o fim dos dias.
Mas não são todos os deuses que aceitaram essa sina de livre vontade. Ares, o senhor da guerra, se recusou a ser um mero mortal. Então foi necessário trancá-lo em um calabouço selado em Temiscira, que daquele dia em diante seria uma terra apartada do mundo, onde só Hipólita e suas amazonas poderiam entrar. Nem os deuses a encontrarão, pois o mesmo encanto que os tornarão mortais também fará que se esqueçam de sua natureza divina. Apenas a rainha amazona, guardiã da prisão de Ares, saberia toda a verdade. E por isso seu fardo era maior do que de todos.
E por isso sua lágrima é tão amarga.
Chicago, EUA, dias atuais.
— Esta noite entrevistarei a escritora Best Seller do The New York Times, Diana Prince, autora de “Mulheres Maravilhosas, de Hipólita a Madre Teresa”. Ela nos contará sobre seu trabalho e sua vida. Então não percam, esta noite no--
A voz do apresentador é interrompida quando a TV é desligada. O homem jogado no sofá que assistia ao show olha incrédulo para a pessoa que segura o controle remoto.
— O que foi, amor? — pergunta o homem coçando a cabeça.
— Nada Steve, só que já vi essa entrevista várias vezes. Fiquei horrível nela. — diz uma linda morena, de longos cabelos pretos, olhos azuis e pele clara. Cerca de 25 anos, um corpo invejável, sentada em uma escrivaninha bagunçada com um notebook a sua frente.
— Impossível você ficar horrível, Diana. — o homem chamado Steve Trevor, de físico atlético, cabelos loiros cortados no estilo militar e sorriso maroto se levanta e vai até a escrivaninha onde Diana escreve o esboço de seu mais novo livro. “E por isso sua lágrima é tão amarga.” é a última frase escrita na tela. — Resolveu escrever ficção agora?
— Não sei... é só uma ideia que me passou pela cabeça. De uns dias pra cá venho tido muitas ideias sobre a saga de Hipólita. — ela não diz, mas o que chama de ideias na verdade são sonhos e visões. Sempre teve essas visões, desde pequena mas nunca falou nada com ninguém. Tais vislumbres de um mundo antigo a motivaram a escrever seus livros, sempre abordando as grandes mulheres da história e da mitologia. Diana salva o arquivo em que trabalhava e fecha o notebook. — Estou cansada. Acho que vou pra cama agora.
— Isso é um convite? — Steve sorri maliciosamente. Diana aproxima seus lábios carnudos e vermelhos aos dele e responde em um sussurro:
— Pode apostar. — e o agarrando em um provocante beijo ela o arrasta para seu quarto. Seus sapatos ficam pelo corredor, assim como a camisa de Steve. A noite será intensa para o casal.
Cidade de Ünye, Turquia.
A velha igreja católica quase passa despercebida dos turistas que visitam a cidade em busca das belas praias banhadas pelo Mar Negro. Dentro do templo, uma abadessa cuida para que as velas dos castiçais estejam todas acesas. Uma por uma ela as acende até que a mulher completa uma volta inteira na nave. A abadessa olha ao redor, para toda a imensidão de vazio e calmaria que ecoa da igreja. Ela respira fundo, pega uma das velas que acendeu e desde cautelosamente pela escadaria que leva ao mausoléu.
Seu rosto encoberto pelo véu parece fazer movimentos monstruosos à sombra da fraca luz. Porém é o corredor ao seu redor que se move. Como num encanto, a igreja deu lugar a um outro tipo de templo, mais antigo e mais sagrado. Colunas ao estilo grego preservadas do tempo, mas escurecidas pelo ambiente mórbido. Sob um piso de cascalho a abadessa começa a andar com maior firmeza, trocando a fraca vela por uma tocha deixada junto à parede.
Mais alguns passos e ela chega ao que parece ser uma prisão. Portas de ferro nos dois flancos do corredor. Um barulho começa a se fazer ouvir. O som seco de algo batendo no ferro envelhecido. Acendendo outras tochas pelo caminho, a abadessa chega na origem do incômodo som.
— Por incontáveis séculos, sem parar um só dia, você vem batendo com seu punho nu nessa porta forjada por Hefesto e selada por Zeus. — a mulher descobre sua cabeça relevando sua face. A face de Hipólita, mudada por incontáveis encarnações, mais feminina e menos guerreira, mas ainda majestosa. — Ares, acha que irá mesmo se libertar?
— Incontáveis séculos, Hipólita, minha filha. — responde o prisioneiro através da porta. — Dia após dia. Ainda que minha mão se desfaça em sangue até eu adormecer de cansaço e exaustão. Mas quando desperto ela está curada, como o fígado de Prometeu devorado pela águia dia após dia. Um dia, este ferro divino há de ceder frente a minha força divina.
— Quando esse dia chegar, eu estarei aqui.
— Certa como sempre, Hipólita. — diz Ares dando um último soco. E para o temor de Hipólita, a porta cai diante de si.
— Impossível! — o olhar de Hipólita é tomado por pavor nunca antes visto ao passo que a chama das tochas treme como sinal de mal agouro.
— Não, não é. — diz o deus da guerra cruzando o portão, saindo das trevas de seu cárcere. O sangue minando de sua mão. Seus cabelos negros e dentes amarelos.
Hipólita recua um passo. A tocha treme em sua mão. Seu primeiro instinto é buscar em sua cintura sua espada, mas ela sabe que não vai encontrá-la.
— Devolva-me, Hipólita.
— Devolver o quê?
— O cinturão. O cinturão mágico que eu te dei, que foi motivo de cobiça de Hércules. Sei que o recuperou.
— Não há cinturão... — Hipólita continua recuando, pensando consigo mesma que Ares jamais poderá se apossar daquele cinturão novamente.
— Não minta para seu pai.
— Você não é meu pai, maldito! — Hipólita lança a tocha contra o rosto do deus. Ele se contorce com a dor. Hipólita corre.
A rainha encontra uma escada espiralada. Antes mesmo que pudesse subir até ver a luz do dia ouve Ares em seu encalço. Não se abatendo por isso, Hipólita chega até uma sala dourada e iluminada, apesar dos sinais de abandono. Seu palácio em Temiscira. De uma estátua de sua irmã Pentesiléia ela tira uma espada de bronze. Se voltando, vê Ares entrando no recinto, com a barba chamuscada pelas chamas.
— Todos irão pagar caro por isso! — brada o deus, partindo para cima da mulher, a enfrentando com as mãos nuas. — Zeus e os outros deuses. Eu irei matar todos! — Hipólita o golpeia, mas ele parece não se importar com os ferimentos. Como resposta lhe desfere fortes socos, levando a amazona ao chão enquanto diz: — Onde estão eles, Hipólita? Vivem como mortais, não sabem que são as encarnações dos poderosos olimpianos. Você irá me dizer onde estão.
— Nunca direi. — um filite de sangue escorre pela boca de Hipólita que desfere um olhar mortiço contra o senhor da guerra.
— Dirá sim. Por tudo que ainda é sagrado nesse novo mundo, juro que me dirá. — Ares a pega pelo pescoço e a ergue do chão. — E a chave para isso é o cinturão. — Ares, com a outra mão, rasga o hábito de abadessa que Hipólita veste e vê que o cinturão que tanto procura sempre esteve com ela. Feito de ouro, aparentemente sem fechos ou emendas. Ares leva sua mão até o objeto, mas se assombra quando o mesmo se desfaz em pó ao seu toque. — Maldição! É falso!! — e tomado pela ira joga a mulher contra a parede.
— S-sim... — diz Hipólita com o rosto rente ao chão. — O verdadeiro... não está... mais em Temíscira.
— Hmmm... não importa. — Ares diz resignado, para a surpresa de Hipólita que se esforça para se levantar. — Acabarei com os deuses mesmo sem o cinturão. Nem que para isso tenha que exterminar cada ser humano vivo no mundo. Quem sabe alguns deles sejam Zeus e os outros. A menos que você me diga quem são eles e poupe o derramamento de sangue. O que me diz, filha?
Silêncio. Um silêncio apenas cortado pelo som das gotas de sangue caindo sobre o chão de mármore. Hipólita sabe que não pode confiar em Ares. Ele não poupará vidas inocentes. Mesmo que sacie sua vingança e acabe com os deuses, seu próximo passo será mergulhar o mundo em uma guerra sem limites. Mas, pelo menos, ela pode ganhar tempo. Tempo suficiente para sua filha vir lhe salvar.
— Está bem... — diz Hipólita olhando para Ares. — Lhe mostrarei onde estão os deuses.
— Eu sabia que tinha juízo, minha filha. — Ares vira as costas, deixando aquele recinto sagrado. — Deixarei que descanse. Logo sairemos desse lugar para começar nossa jornada.
— Uma jornada curta, espero. — diz Hipólita de modo que Ares não ouça. E então do fundo do peito ela tira um encantamento que há muito tempo não proferia e mentaliza a imagem de sua filha Diana, esculpida do barro, que teve a vida soprada por Hipólita. A rainha invoca sua filha, que recebeu dons especiais dos deuses para serem usados em momentos como esse. — Diana... minha filha... Desperte.
“Desperte”
“DESPERTE!”
— Aaaahhhh!! — Diana Prince levanta de sua cama, ofegante e suando frio, como se acordasse de um pesadelo. Em sua mente centenas de imagens outrora tidas como imaginação de uma escritora ganham forma como memórias de toda uma vida. Vidas, talvez. Ao lado, um sonolento Steve Trevor agora assustado com o grito da namorada.
— O que houve, amor? — ele diz.
— Grande Hera! Finalmente eu despertei. — diz Diana de um jeito vago, como se falasse com alguém dentro de sua cabeça. Em verdade tinha mesmo acordado de um longo pesadelo. Depois ela salta da cama e pega suas roupas dizendo: — Levante-se, Steve. Temos que salvar a minha mãe.
— Sua mãe? Mas ela morreu há mais de dez anos! — Steve veste suas calças.
— Não minha genitora desta encarnação, mas minha mãe real, que me fez do barro, a rainha Hipólita.
— Hipólita? Ah, amor... você está passando bem? Hipólita é a personagem do seu romance que--
— Argh, homens! Atena, me dê paciência! Steve, meu amado, é uma longa história e eu te contarei tudo no caminho. — Diana veste seu casaco e pega sua bolsa.
— Caminho? Caminho pra onde?
— Primeiramente preciso buscar o cinturão e o laço, que escondi na última vez que despertei, durante a segunda guerra. Depois iremos para Temiscira, onde Ares deve ter se libertado e de alguma forma mantém minha mãe sob custódia.
— Acho que sou eu que não estou passando bem. Vou voltar a dormir. — porém antes que Steve deitasse novamente Diana o segurou pelo pescoço e o prensou contra a parede, erguendo-o.
— Escute bem, Steve Trevor. Você irá me ajudar a salvar minha mãe ou então dirá adeus ao órgão pulsante que há entre suas pernas! — com um olhar de espanto e um abanar de cabeça Steve simplesmente respondeu.
— Então tá!
— Ótimo. — responde Diana o soltando. — Seria um desperdício acabar com um divertimento tão bom. Agora vamos, preciso de seu avião. Temos de ir para Washington.
“Como te disse antes, te explicarei tudo no caminho”, ouvimos Diana dizer enquanto um avião monomotor sobrevoa a costa leste americana tendo saído de Chicago horas antes. Enquanto Steve pilota o velho aeroplano que herdou de seu pai, ouve incrédulo o relato de Diana:
“Frente ao novo mundo que se deslindava diante deles, os deuses do Olimpo, antes que fossem completamente esquecidos pelos homens, resolveram abandonar seus cultos e tradições e viver entre os mortais em ciclos de vidas humanas. Nós, as amazonas, tivemos a honra de compartilhar do mesmo destino. Espalhadas pelo mundo, vivemos vidas normais, com almas eternas em corpos passageiros sem nunca sabermos quem somos. Menos minha mãe.
Sendo a rainha de Temiscira, Hipólita é a única que sabe, sempre que nasce num novo corpo, que é quem é. Isso porque tem uma missão: vigiar Ares, o deus da guerra, que por ter se recusado a abdicar de sua divindade e levar uma vida humana, foi preso pelo próprio Zeus na cidade sagrada. Quando precisa de ajuda, minha mãe usa um encantamento para me despertar. A primeira vez que isso aconteceu foi em 257 a.C., quando fui treinada e instruída em todas artes das amazonas.
Tenho agora as lembranças de todas as minhas vidas. É como se eu estivesse assistindo um filme o tempo todo, através dos meus olhos, mas sem poder controlar meus atos. Na última vez que vi minha mãe ela disse que só me despertaria de novo se Ares se libertasse. Ela temia no fundo do coração que isso acontecesse. Então ela me deu seu cinturão mágico e outras armas mitológicas e me mandou escondê-las até dela mesma.
Se eu despertei, então Ares está a solta.”
— Ok, ok... — suspira Steve. — É simples de entender... mas difícil de acreditar.
— Entendo. Essa sociedade moderna com tanta tecnologia, programas de TV e tantas outras coisas banais tornaram essa geração pateticamente idiota. Fora essa religião monoteísta que--
— Tudo bem, princesa. Não precisa esculachar. Já estamos chegando.
Diana vê a capital estadunidense do alto quando a noite já se acentua. Ao longe o Capitólio se destaca. Steve avisa que não pode chegar mais perto sem autorização do governo. Diana faz um gesto de desaprovação, mas consente. Minutos depois o monomotor aterriza no Aeroporto Ronald Reagan.
— Táxi! — Diana, já na avenida George Washington Memorial entra no Táxi com Steve a seguindo confuso.
— Espero que depois disso você escreva um best seller que nos deixe milionários!
— Para o Memorial Thomas Jefferson! — Diana diz ao taxista. E pois mais alguns minutos Steve continua completamente confuso.
Ao chegarem no memorial, Diana não faz questão do edifício e se dirige ao lago a sua frente. Steve chega logo atrás só em tempo de vê-la mergulhar na água turva.
— Deus do céu!! Ela está mais doida do que pensei!! — Steve fica um instante imóvel, catatônico, mas depois corre em direção ao lago, onde os seguranças e outros curiosos começam a se aglomerar. — Diana! Diana!! — De repente um corpo emerge do lago e alça voo sobre as cabeças de todos. Steve não crê no que seus olhos veem.
Diana, vestindo um traje preto com brilhantes como estrelas, com um cinto e um peitoral dourados, braceletes prateados, botas pretas, um laço cintilante pela mão e um diadema de ouro na cabeça com uma estrela vermelha do meio, plana num voo livre, supremo e divino. Do alto, ela encontra o rosto de Steve mo meio da multidão maravilhada.
— Vamos. Temos trabalho a fazer.
Continua...
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Puxa, Anderson... depois de ler a sua MP, fiquei curioso em saber como era essa nova Mulher Maravilha, que estava vivendo entre os mortais, assim como os demais deuses olímpicos... muito bom, cara... vou pensar em algo pra encaixar a Donna nesse contexto... Esse capitulo inicial ficou fanta´stico, cara...
Abração!!
Fala Raven, que bom que gostou dessa versão da MM, também achei esse jeito mais tangível do que o tradicional.
E vamos conversar sim sobre a Donna...
Valeu Raven!
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