O mal caminha sobre a Terra! Seres demoníacos se arrastam pelas ruas da pacata King's Cross, encobertos pela noite, em busca de inocentes. Poderá o Dr. Oculto e sua mais nova amiga Zatanna deter a marcha negra?
Sentinelas da Magia #2
Criaturas da Noite
Por Alex Nery
No início era um murmúrio apenas. Um som baixo e incompreensível. Aos poucos foi se tornando um conjunto de vozes lamentosas ecoando pela noite. Vozes de todos os tipos, masculinas e femininas, adultas e infantis.
Porém, nenhuma saía de uma garganta humana.
As criaturas rastejam pelos paralelepípedos de King’s Cross, algumas deixando um rastro rubro e viscoso, outras, de forma humanóide, caminham a passos lentos chapinhando nesse limo sobrenatural. Apesar da diferença de formas e cores, todas caminham em direção ao mesmo destino: a praça central da cidade. Alguns moradores, acordados pela lúgubre procissão, observam escondidos através das janelas e nem mesmo acendem as luzes das casas, com medo de serem encontrados. Outros, menos espertos, abrem as portas de suas casas e correm para os pátios para verem mais de perto o que acreditam ser pessoas fantasiadas, comemorando alguma data especial ou coisa assim.
- Que porra é essa, pai? – pergunta Gilbert, um menino de doze anos, que observa a passagem dos monstros junto à cerca viva que limita seu jardim.
- Olha essa língua suja, garoto! – diz Taylor, tão abismado quanto o filho.
- Já é carnaval? – pergunta a Dorothy, a mãe de Gilbert, em mais uma clara demonstração de que sempre tem a cabeça nas nuvens.
- Olhaaaa! Putz! Aquele ali não tem cabeça! – grita o menino apontando para um dos seres estranhos.
- Que merda... – pragueja o pai.
- Ei! Olhem! O que aquela garotinha ta fazendo no meio deles? – pergunta a mãe apontando para uma menina de cerca de oito anos que vem se aproximando, juntamente com os monstros.
Os três observam calados a menina se aproximar. Ela é loira, com os cabelos longos amarrados em duas tranças, possui olhos azuis bem límpidos e veste um vestido amarelo, amarrado na cintura por um grande laço vermelho. Ela encosta na cerca viva e observa em silêncio a família.
- Ei, menina! Sai daí! Não ta vendo que esses caras aí são loucos? – diz Taylor.
- Você ta perdida? – pergunta Gilbert, colocando-se na ponta dos pés para poder ver melhor a garota.
- Venha! Entre aqui! – diz Dorothy, abrindo o pequeno portão de metal para que a menina entre.
A menina entra em silêncio. Seus passos são tímidos e seu olhar é de medo.
- Onde você mora, meu bem? – pergunta Dorothy, ajoelhando-se para encarar a menina.
A menina murmura algo em voz baixa, por entre os dentes.
- Onde? Não entendi... – diz Dorothy se aproximando mais da menina.
- Eu disse que moro... NO INFERNO! – grita a menina.
Antes que Dorothy possa reagir, a menina escancara a boca, exibindo dentes serrilhados como os de um tubarão, e abocanha o rosto da mulher, produzindo um repugnante som de ossos sendo esmagados. Dorothy cai morta, com um buraco do tamanho de metade do seu rosto. A menina mastiga com satisfação.
Gilbert e Taylor gritam ao mesmo tempo e saem correndo em direção a casa, porém meia dúzia de monstros salta a pequena cerca e derrubam os dois a meio caminho da porta. Ambos são estraçalhados e seus gritos cessam.
A grande massa infernal continua a se deslocar.
--------------------------------------------------------------------------------------------------------------
Oculto e Zatanna saem do portal criado pelo investigador e surgem em um ponto afastado do centro da cidade. Eles se encontram em um morro, de onde podem ver parte de King’s Cross.
- Onde estamos? – pergunta a mágica.
- O portal nos trouxe até um dos locais onde se concentram mais energia negra – explica o Dr. Oculto – O estranho é que existem vários pontos desses sobre a cidade...
- Vários pontos? Isso é mal, não é?
- Muito mal. Existem cinco pontos que se destacam. Algo me diz que formam um padrão...
- Qual padrão?
- Ainda não sei. Vamos dar uma olhada por aí.
Ambos caminham em silêncio, procurando por algo que nem mesmo eles sabem o que é. Zatanna tem a certeza de que algo ali está muito errado. É o mesmo tipo de sensação que a manteve na cidadezinha esta noite e que já a avisara de perigos antes.
- Zul! – a mágica invoca um facho de luz, que passa a acompanhá-los como um holofote vindo de lugar nenhum.
- Obrigado – agradece o Dr. Oculto.
- Espero que isso torne as coisas mais claras, heh...
Oculto não responde e continua a caminhar. Sob a luz produzida por Zatanna, eles podem observar que se encontram na área rural da cidade, pois já não existem as pequenas casas de alvenaria típicas do centro, mas sim grandes extensões de terras cercadas por arames farpados. Alguns bois e vacas já podem ser encontrados também, assim como várias galinhas. De repente, Oculto pára e aponta em uma determinada direção.
- Vamos por ali.
Zatanna ergue a vista na direção em que o investigador apontara e constata que ali existe um galpão, ao lado de uma pequena casa de madeira, provavelmente a residência do dono dos animais. Em silêncio, ela segue o Dr. Oculto.
Eles entram no velho galpão de madeira, que pelo visto também serve como galinheiro devido ao forte cheiro de excrementos. Zatanna sente náuseas, mas procura se controlar. Súbito, ela sente um cheiro pior ainda. Um cheiro cítrico que lembra o de um animal morto.
- Ilumine ali, por favor – pede o Dr. Oculto.
Com um pensamento da mágica, o facho de luz se move e ilumina uma das paredes do galpão. Zatanna leva a mão à boca, tapando-a, num gesto de nojo.
A luz ilumina o corpo de um homem, ruivo e barbudo, trajando roupas simples, cravado na parede por estacas fincadas no pescoço, mãos e pés, formando uma estrela macabra. Suas vísceras escorrem para fora de seu abdômen.
- Oh, meu... – murmura Zatanna.
Oculto observa a cena, como se memorizasse cada detalhe.
- Cinco pontos... cinco estacas... – diz o investigador.
- I-isso é demais pra mim, doutor...
- É isso. Cinco pontos – diz Oculto, ignorando sua parceira.
- Como é? Descobriu algo?
- Acho que sim. Vamos sair daqui antes que você vomite...
- Obrigada... – responde Zatanna, irônica.
Ao chegarem do lado de fora, Oculto expõe suas idéias.
- Observe. São cinco pontos... cinto estacas.
- E daí?
- Você pode conjurar uma imagem da cidade? Como um mapa?
- Acho que sim... deixa ver... Ssorc S’gnik ed apam! – ao comando de Zatanna, uma imagem flutuante da cidade se materializa em frente ao dois.
- Ótimo! Fico pensando no que você não pode fazer com sua habilidade...
- Agradeça depois. Conte-me o que pensa.
Oculto retira seu disco místico do bolso e estende-o sobre o mapa ilusório de Zatanna. Cinco pontos começam a brilhar sobre o mapa.
- Estes são os cinco ponto negros que encontrei sobre a cidade. Eles formam um padrão, veja...
Sem que Oculto toque no mapa, linhas começam a surgir entre os pontos. Em instantes, o conjunto forma um símbolo.
- Um pentagrama! Significa que existe magia negra aqui! – diz Zatanna.
- Depende do uso do pentagrama. Na cultura chinesa ele significa a destruição para a renovação, para os hebreus significa a Verdade... Neste caso, com certeza significa um uso maligno, pois envolve sangue. E sangue é um ingrediente básico da magia negra.
- Entendo. E nos outros pontos negros...
- Acredito que acharemos outros corpos mutilados. Alguém, ou algo, teve o trabalho de tecer este pentagrama em torno da cidade.
- Um maníaco? Um serial killer?
- Acho que algo além disso. Você viu o corpo daquele coitado lá dentro. Ele foi eviscerado por garras. Nada humano fez aquilo.
- Um... monstro?
- Com certeza, só não sei ainda de qual tipo.
- Doutor...
- O que?
- O que significa essa mancha vermelha se espalhando pelo mapa?
Uma mancha vermelha começara a se propagar saindo do centro do pentagrama, ameaçando cobrir toda a cidade.
- O pentagrama está completo. Agora ele começa a servir ao propósito de quem o elaborou – diz Oculto.
- Qual propósito? – pergunta Zatanna.
- Saberemos quando chegarmos ao centro de King’s Cross. Ele coincide com o centro do pentagrama, vê?
- Sim, verdade. Então chega de perder tempo, doutor! Vamos lá!
Oculto olha para Zatanna com uma expressão de desaprovação, como um adulto que olha para um criança que não conhece o perigo do que está a sua frente. Porém, ele decide não dizer nada e utiliza seu amuleto para abrir um novo portal. Assim, ambos avançam rumo ao inferno que se tornara a praça central de King’s Cross.
----------------------------------------------------------------------------------------------------------------
A chegada na praça é instantânea. Oculto e Zatanna são imediatamente atingidos pelo calor das chamas que vêm de alguns prédios próximos. Várias pessoas passam correndo por eles, mal notando seu súbito aparecimento. O pânico está instaurado na pequena cidade. Os dois levam alguns segundos para perceberem o que está acontecendo. Várias criaturas monstruosas perseguem os moradores da cidade, matando-os numa luta desigual.
- Meu Deus! – grita Zatanna.
- Alguém abriu o portal para essas criaturas! – grita Oculto.
- O que podemos fazer?
- Temos que descobrir quem fez isso. Só assim poderemos encerrar o encanto!
- Vou tentar algo para ajudar essas pessoas!
- Sim, certo!
Zatanna ergue sua varinha mágica. Suas mãos tremem e seus pensamentos são frenéticos. Ela busca algo que possa ajudar os moradores de King’s Cross a escaparem, mas o medo ameaça nublar sua cosnciencia. Somente ao ver uma criança cercada por dois demônios humanóides ela consegue firmeza para agir.
- Oãcaruf! – brada a mágica, agitando sua varinha.
Instantaneamente, um vento fortíssimo varre os dois demônios, arremessando-os contra uma parede próxima. A criança corre, entrando em um prédio próximo. Alguns outros monstros, percebendo a presença de Zatanna, se voltam para enfrenta-la. Seus olhos são manchas amarelas na noite e elas salivam antevendo o momento de cravarem suas presas na humana.
Uma criatura metade mulher, metade serpente, se aproxima do Dr. Oculto, sibilando sinistramente. O investigador sombrio ergue seu amuleto e dispara uma luz extremamente branca sobre a criatura, fazendo-a recuar e praguejar numa língua desconhecida.
Zatanna vê uma mulher idosa imóvel próxima ao centro da praça. Sem pensar duas vezes, ela corre para socorrê-la.
- Ei! Venha por aqui! – grita a mágica.
A senhora Higgins não a ouve. Ela apenas fica paralisada, apertando seu manto de tricô entre os dedos. Zatanna aproxima-se rapidamente e diz:
- Venha comigo! Depressa! – Zatanna agarra a mão da velha senhora e tenta puxá-la, mas ela não se move.
- Eu não quero ir – diz a senhora Higgins.
- Aqui é perigoso! Venha! – grita Zatanna, tentando movê-la mais uma vez.
- Perigoso, sim... mas não para mim, minha jovem.
As palavras misteriosas da mulher fazem com que Zatanna se volte para encará-la. Um raio de energia negra atinge a mágica, jogando-a no chão dolorosamente. Zatanna grita sentindo fortes dores. A senhora Higgins sorri e caminha lentamente, aproximando-se da mágica caída.
- Eu fiz tudo isto acontecer, minha querida.
Dizendo isto, a velha senhora abre o manto de tricô, exibindo um conjunto de símbolos estranhos, tricotados sobre um pentagrama invertido.
- Agora que minha peça está completa, os demônios caminham livremente. Não se manifestam mais ocasionalmente... – diz a senhora Higgins.
- Uma nova forma de livro das sombras, eu diria – diz o Dr. Oculto surgindo do meio da fumaça.
- Sim, acertou, maldito intruso... – rosna a senhora Higgins.
- L-livro das sombras? – pergunta Zatanna, agarrando a mão estendida do Dr. Oculto para poder levantar-se.
- Toda bruxa tem um. É onde escrevem seus feitiços – diz Oculto.
- Eu tinha um também... – admite a senhora Higgins – Mas meu falecido marido o encontrou e ameaçou contar a todos... Eu tive que dar um jeito nele. Também tive que encontrar uma nova maneira de escrever meus feitiços sem chamar a atenção.
- Sua doida... – xinga Zatanna, ainda sentindo dores.
- Ela é mais louca do que você pensa, Zatanna. Ela liberou poderes incontroláveis – diz Oculto.
A senhora Higgins os observava com olhos vermelhos e odiosos, porém não deixava de sorrir.
- Está enganado, maldito! Eu sei o que estou fazendo! Hoje King’s Cross arderá no inferno! Todos terão o que merecem! – grita a bruxa.
- Você libertou forças caóticas aqui. Ninguém controla o caos! – diz o Dr. Oculto.
- O caos me servirá! Neste momento, os moradores desta cidade fétida estão sendo massacrados e a cada alma adquirida o portal fica mais forte! Em instantes ele será grande o suficiente para que o mestre venha até nós! – a velha bruxa parecia ver algo tenebroso no futuro.
- Mestre? Que mestre? – pergunta Zatanna.
Um estrondo ensurdecedor atinge a todos. Parte do centro da praça explode em mil pedaços, cuspindo concreto e chamas para todos os lados. Oculto e Zatanna são jogados para trás, enquanto a senhora Higgins some na poeira.
Vindo da imensa cratera recém-aberta, ouve-se um rugido tenebroso. Algo começa a se mover em meio à nevoa. Algo gigantesco. Um enorme demônio vermelho, com aproximadamente cinco metros de altura surge em meio a destruição. A criatura murmura:
- Eu... sou... muitos...
Zatanna grita horrorizada. Oculto tenta proteger o rosto da parceira.
- EU... SOU... SABBAC!
As janelas de todo o quarteirão são destroçadas pelo grito do demônio.
- Temos que sair daqui, Zatanna! O perigo aumentou mais ainda! – grita o Oculto.
- Mas, para onde vamos? – diz Zatanna, visivelmente em pânico.
Oculto ajuda Zatanna a se erguer e ambos correm, tentando se afastar do monstro demoníaco. A criatura crava seus dedos no solo e arremessa imensos blocos de concreto pelo ar.
- O que é isso? O que é Sabbac??? – pergunta Zatanna.
- Sabbac é uma criatura mística que reúne os poderes de seis demônios muito poderosos! Nossas chances de vencê-lo num combate direto são pouquíssimas – diz Oculto, enquanto eles se refugiam atrás de uma esquina.
- Então está tudo perdido... – lamenta-se Zatanna.
Sabbac ergue-se da cratera e caminha pela praça. Os demônios menores saltam alegremente em volta de seu mestre, atirando partes de corpos humanos em oferenda aos seus pés. Sabbac inspira profundamente o ar e, em seguida, cospe fogo infernal pelos céus, num gesto de desafio. A criatura gargalha.
Subitamente, seu riso é cortado por um grito de dor. Um raio de energia amarela desce dos céus e o atinge no peito, arremessando-o alguns metros para trás. Os demônios menores correm desesperados.
- O que foi aquilo? – pergunta Zatanna – O que o atingiu?
- Foi ELE – diz Oculto, apontando para o céu noturno.
Zatanna eleva seus olhos e vê um homem que flutua serenamente sobre a praça de King’s Cross. Ele veste negro, mas seu elmo, assim como a capa que cobre seus ombros, reluz como ouro. Ele nada diz, apenas permanece flutuando, enquanto em torno de si a imagem de um anhk brilha num azul tênue.
- Q-quem é ele, Oculto? – pergunta a mágica impressionada com a cena.
- É o Senhor Destino.
Continua...
No próximo número: O que Higgins pretende? Sabbac e sua horda demoníaca continuam o massacre dos habitantes de King’s Cross, mas existem aqueles dispostos a se sacrificar para deter a maré infernal. Zatanna e Oculto têm sua revanche contra a bruxa! A selvageria de Sabbac versus a fúria do Senhor Destino!
Postar um comentário